Aos 81 anos, a deputada federal Luíza Erundina (PSol) disputa mais uma vez a Prefeitura de São Paulo, cargo para o qual foi eleita em 1988. Paraibana, militante contra a ditadura militar, fala dos eternos desafios da participação feminina na política e do cenario atual, de fortalecimento de grupos de direita nesse momento de impeachment da primeira mulher eleita para presidente do Brasil, Dilma Rousseff, num processo questionado por juristas, organizações sociais e organismos internacionais.
JC - Deputada, a senhora foi a primeira prefeita mulher de São Paulo, nordestina, de esquerda...
LUIZA ERUNDINA - São 40 anos de militância, é o tempo em que estou em São Paulo. Fui expulsa do meu estado (PB) pela ditadura militar. Lá eu lutava pela reforma agrária. Aqui (SP), luto pela reforma urbana. O povo de lá que vem para cá estava amontoado nas favelas, cortiços, embaixo de viadutos. Por isso eu disputo o poder mais uma vez para botar o mandato a serviço desse povo sofrido, nordestino e imigrante de forma geral, que constrói essas cidades e é maltratado nos seus direitos humanos e sociais. Foi muito preconceito e ainda é, mas o povo me reconhece, se identifica comigo. Confia no nosso trabalho, no compromisso, lealdade. Isso é o que me move, me mantém jovem apesar do tempo de vida. Estou num partido ainda pequeno, mas combativo, competente e aguerrido. Deve-se inclusive ao PSol o afastamento do Cunha da presidência da Câmara.
JC - A senhora assumiu a prefeitura num momento de redemocratização. É mais difícil fazer campanha hoje, no cenário político de retrocessos e fortalecimento de grupos de direita?
ERUNDINA - Sem dúvida, é mais difícil. Mas, por outro lado, é mais pedagógico, uma oportunidade para contar a história que a juventude não viveu, a ditadura militar, a falta de liberdade de expressão e são os mesmos, agora, golpistas, se apropriando de um poder que é do povo, de forma absolutamente repressora e desrespeitosa. Nós temos que lutar contra isso.
JC - O que defende na reforma política ?
ERUNDINA - O próprio papel do Estado, a serviço dos privilégios, está distorcido. O sistema político não tem coerência e muito menos está atualizado em relação às exigências modernas da sociedade. A juventude precisa se reencontrar e encantar-se com a política. A reforma tem que ser sistêmica, exigir identidade partidária ideológica programática, o projeto político. Exigir também que a disputa eleitoral se dê de forma democrática. Estou sendo atingida por uma lei do Cunha (Eduardo Cunha (PMDB-RJ) , relatada pelo Rodrigo Maia (DEM-RJ), impedindo que partidos como o Psol, que não tem mais de 10 deputados na bancada, sejam impedidos de participar dos debates. Essa medida é antidemocrática, autoritária. A mídia é um patrimônio do povo, concedido pelo Estado. Nós estamos resistindo nas ruas.Se a gente não puder falar por ondas eletromagnéticas, a gente vai estar falando para o povo e o povo repercute.
JC - Como ampliar a participação das mulheres na política?
ERUNDINA - Somos sub-representadas nos espaços de poder, porque não nos empedramos o suficiente para romper com essa exclusão. E a primeira mulher presidente da República (Dilma), depois de 80 anos de conquista do voto feminino, é afastada por um golpe. O seu governo teve problemas, temos críticas a ele, mas não se comprovou crime de responsabilidade para justificar o afastamento da presidente.
JC -O que a senhora defende confirmando-se o impeachment?
ERUNDINA - Eleições gerais para legitimar um novo presidente, que passe pelo crivo do voto popular.
JC – O que é a Raiz, da qual faz parte?
ERUNDINA – É um movimento cidadanista, estamos em processo de coleta de assinaturas. Não temos pressa, o que nós queremos é ser movimento, revolucionar a estrutura partidária, a cultura política, como está se fazendo na Europa, na Espanha, na Grécia, com os partidos alternativos. Raíz será um desses partidos. Temos que construir isso de baixo para cima, tudo é conseno, democrático, tudo liberado em rede, o mais amplo possível, e está sendo uma experiência muito rica, é viável e necessária, num quadro tão esvaziado, exaurido, como é o quadro partidário aqui no Brasil.
JC – O Nordeste sempre lançou lideranças políticas. Mas parece hoje um tanto pobre. Por quê?
ERUNDINA – Os partidos não se renovam. A juventude está enojada de política. O que veem de política são as más práticas de políticos corruptos, carreristas, oportunistas, não se renovam as lideranças. Por isso temos que fazer educação política do povo, e o partido realmente democrático, comprometido com as mudanças, tem de fato um engajamento real, efetivo, na busca de soluções para esses problemas. E esses problemas são estruturais. Não adianta fazer remendo novo no tecido esgarçado. Ele esgarça mais ainda.
Para Erundina, o PSB é uma siga distanciada de sua origem
JC – Qual a situação do PSB, do qual se desfiliou?
ERUNDINA – É mais um partido, uma sigla distanciada de sua origem, de compromissos históricos, suas bandeiras, ideologias, compromissos programáticos. Foi por isso que sai do PSB. Fiquei lá por 19 anos, fui na época em que Arraes era o presidente (do partido). Tinha a ilusão de que fosse de fato um partido com compromisso socialista. Mas hoje a política de aliança desse partido é igualzinha a qualquer outra. Cabe todo mundo nele, desde que isso seja o interesse eleitoral, o que é lamentável. Fiquei triste por ter que deixar o partido por essas razões, mas a gente não tem tempo a perder. Eles tiveram a posição mais equivocada de todos os partidos que estão hoje enfrentando essa situação. Eles estão com os golpistas, estão usufruindo, fazem parte desse governo interino (governo Temer) com ministros. Não me cabe nesse partido, não quero estar mais nele. Me custou mas eu não sei fazer aquilo que meu coração rejeita.
JC – Lula ainda teria força numa próxima eleição?
ERUNDINA - Ele ainda tem muita popularidade, mas está muito desgastado. Acho difícil. Cada pessoa como liderança faz sentido naquele momento, você não perpetua uma liderança, mesmo uma liderança da importância, do peso que representou Lula no Brasil. Tem que buscar outras alternativas.
JC – Sairia candidata a presidente?
ERUNDINA – Não, não há mais tempo para isso. Quero ser prefeita de São Paulo.