A Odebrecht pagou R$ 5,1 milhões em suborno e caixa dois a quatro políticos nordestinos para destravar as obras do Canal do Sertão, trecho da Transposição do Rio São Francisco. Conforme os depoimentos de seis delatores, os valores foram repassados ao ex-governador de Alagoas Teotônio Vilela Filho (R$ 2,8 milhões), do PSDB; ao senador e ex-ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra Coelho (R$ 1,05 milhão), do PSB; e ao senador Renan Calheiros (R$ 500 mil), do PMDB.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também considera que uma doação oficial de R$ 829 mil à campanha do governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), em 2014 foi propina envolvendo os interesses da empreiteira no projeto.
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O Hotel Radisson, à beira-mar de Maceió, foi o palco de alguns dos encontros para acertar os pagamentos, segundo o relato dos depoentes. Ali Renan Calheiros se reuniu com o funcionário da Odebrecht Ariel Parente. "Relatei a ele que a empresa estava destinando R$ 250 mil, em duas parcelas, fazendo o total de R$ 500 mil. Não me recordo se ele indicou alguma pessoa da confiança dele para receber. Me recordo que ele não ficou satisfeito com o valor. Me transmitiu essa insatisfação achando que estava pouco", relatou o executivo, em depoimento à Procuradoria-Geral da República.
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Parente explicou que os R$ 500 mil seriam pagos como caixa dois, por fora de doação oficial ao então candidato ao Senado. Contou que Renan "queria mais" e cobrou "1 milhão e tanto". Diante da reclamação, submeteu o problema para seus superiores. O senador alega que nunca participou de nenhum encontro com Parente. O ex-diretor da Odebrecht no Nordeste João Pacífico confirmou o pagamento, em duas parcelas, em agosto e setembro de 2010, dos R$ 500 mil. Ele apresentou planilhas como comprovação. Pacífico explicou que o caixa dois a Renan naquele ano visava à ajuda dele para liberar a obra do Canal do Sertão, um dos trechos da Transposição do Rio São Francisco.
Pacífico afirmou que, embora Renan estivesse rompido com o então governador Teotônio Vilela Filho (PSDB), o peemedebista era um político nacional e tinha influência no Ministério da Integração Nacional. "Se, porventura, a gente precisasse de apoio dele, a gente poderia utilizá-lo", justificou. A quantia foi disponibilizada pelo Grupo Odebrecht por intermédio de operação não contabilizada e registrada pelo Setor de Operações Estruturadas no sistema "Drousys".
O executivo explicou que a Odebrecht obteve o contrato na transposição em 2010, mas a execução ficou suspensa até 2013, por falta de recursos. O "agrado" a Renan, segundo ele, também objetivava conquistar o apoio dele em eventuais pleitos futuros. "Era mais para que a gente pudesse dar a notícia, primeiro em nome da companhia, e também porque poderia haver uma demanda. Então, a gente se antecipou", comentou.
Fernando Bezerra Coelho
Em outro trecho de sua delação, João Pacífico afirmou ter acertado, numa conversa em 2013, pagamento de R$ 1 milhão para a campanha do então ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE).
"Quando eu fui saber do ministro Fernando Bezerra qual era a dotação orçamentária, ele disse: 'vou me candidatar em 2014 ao Senado e preciso de uma ajuda de campanha", afirmou. "Eu fui lá para saber o orçamento referente à obra. Depois que ele me disse que o valor de 2013 não seria significativo, porque a obra só começou no meio do ano, mas em outros anos deveria ter, foi quando disse 'eu vou me candidatar e preciso de um valor em contribuição: R$ 1 milhão'", acrescentou.
No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral Rodrigo Janot diz que a solicitação de Bezerra Coelho "foi atendida por meio de pagamentos viabilizados pelo Setor de Operações Estruturadas". O montante, em espécie, segundo os colaboradores, foi entregue a um intermediário de Bezerra. O ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura Benedicto Júnior confirmou os repasses.
Segundo os delatores, os valores pagos a Teotônio Vilela Filho e a dois de seus auxiliares somaram R$ 2,8 milhões, em 2014. Pacífico contou que os repasses foram acertados pelo próprio governador e sua equipe no hotel, que teriam ameaçado rescindir o contrato, caso os valores não fossem feitos. A Odebrecht, por fim, teria cedido ao achaque.
"As condutas acima narradas não se tratam de mera doação eleitoral irregular. Vislumbra-se, na verdade, uma solicitação indevida em razão da função pública que se almeja, a pretexto de campanha eleitoral. Por esta razão, há fortes indícios de que se está diante de crimes graves que precisam ser minuciosamente investigados", afirmou Janot sobre as doações a Vilela, a Bezerra e ao senador Renan.
Defesas
Em nota, Renan afirmou ser "uma inconsciência" a "tentativa" de ligá-lo "às obras do Canal do Sertão". "A obra era gerida por um governo contra o qual eu e Renan Filho, que era deputado federal, fazíamos oposição. O fato de eu ser político nacional não muda o contexto da política regional. Por isso, eu realmente acredito no arquivamento das denúncias por total incoerência", disse.
Fernando Bezerra Coelho, também por meio de sua assessoria, alegou que não participou nem da licitação nem da contratação da obra do Canal do Sertão Alagoano, "ambas ocorridas em 2009 - ou seja, dois anos antes de o senador chegar ao Ministério da Integração Nacional". "Ao assumir o ministério, Fernando Bezerra solicitou a manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a conformidade do contrato. Com a orientação do TCU, foram feitos ajustes no referido contrato e a obra foi retomada no final da gestão de Fernando Bezerra, em 2013. O parlamentar reforça que todas as contas da campanha dele ao Senado foram devidamente apresentadas e aprovadas pela Justiça Eleitoral", explicou.
Renan Filho sustenta que todas as doações recebidas durante a campanha ocorreram dentro da lei e foram devidamente declaradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral." A reportagem não conseguiu contato com Teotônio Vilela Filho.