"A condição atual da esquerda é a de um homem perdido na floresta: é preciso encontrar uma saída. Mas não partimos de um marco zero." A metáfora é do filósofo e professor emérito da USP Ruy Fausto, que lançou, na última semana, o livro "Caminhos da Esquerda". A um ano das eleições, o grupo tenta se reestruturar enquanto seus principais líderes se defendem das implicações causadas pelas denúncias de corrupção. Especialistas enxergam o cenário com pessimismo e avaliam que o campo não consegue fazer autocrítica tampouco ouvir o que o eleitorado tem a dizer, principalmente em um momento onde a comunicação é horizontalizada e todos têm voz e cobram mais ações e menos discursos.
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Em seu livro, Ruy Fausto defende uma reestruturação "absolutamente urgente" da esquerda no Brasil. A idealização do PT também é criticada e caminhos alternativos dentro do campo político são apontados para fugir da escassez de nomes novos. "Nesse caso, o ideal seria buscar um candidato que não fosse o Lula para as próximas eleições presidenciais, e aceitar a ideia de uma possível derrota. Uma cura de oposição não seria má para a esquerda. Mas se não houver uma reorganização do partido, sucedendo necessariamente a um processo de expulsões, o PT apodrecerá, e o melhor do PT abandonará o partido", avalia.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Ruy afirmou que não vê Lula como o melhor candidato, mas falou da expectativa que ele possa concorrer. O petista tem 30% das intenções de voto, segundo Datafolha.
UNIÃO DAS FORÇAS COMO CAMINHO
Para o professor emérito da USP, o "caminho da esquerda" passa pela união dessas forças. "A união só poderá vir com base numa discussão profunda dos problemas no interior da esquerda", diz no livro.
Questionado se há caminhos para esquerda que não passem pelo PT, o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, observa que é necessário tempo para construção de um partido político "de tutano".
"O PT levou uma década para tornar-se competitivo eleitoralmente e duas para chegar ao poder. E não se constrói partidos de massas e politicamente relevantes da noite para o dia. Daí a importância do PT no quadro político nacional e no campo que vai do centro-esquerda à esquerda", avalia.
"Mas a sua existência não deve e nem pode significar o preenchimento ou esgotamento desse campo. Muito pelo contrário, se afirmo que o PT é um partido de centro-esquerda, é claro que há espaço para o surgimento e a consolidação de partidos mais à esquerda no País", afirma Barreto.
REFORMA POLÍTICA
O governo de esquerda teve que lidar no Brasil com gestão de coalizão para governar e isso é apontado pelo cientista político Vanuccio Pimentel como o caminho para o precipício. Ele avalia que a reforma política é essencial para evitar repetições dos erros.
"A corrupção sozinha não foi capaz de desencantar todo um projeto de esquerda. Ou seja, foram também erros ou pequenos abandonos que o governo foi deixando que criou esse quadro. A partir daí, é que se gera um dos problemas que temos hoje, então a gente tem uma fragmentação partidária maior. A esquerda hoje é menos coesa do que foi no início do governo Lula e não só a fragmentação da esquerda, mas do centro político do Brasil. Esse ?centrão? congressual migrou para direita. Está uma bagunça completa esse quadro ideológico", diz.
Vanuccio avalia que não é o eleitor mediano ou de centro-esquerda que migrou para nomes da extrema direita, como Jair Bolsonaro (PSC), mas sim o mais alinhado à direita. A ofensiva da direita no Brasil e no mundo também é motivo de preocupação sob a ótica de Ruy Fausto. Para ele, a vitória do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirma a "verdadeira ofensiva" da direita e da extrema direita.