INTERVENÇÃO

Sem ambiente para solução militar

Declarações políticas de generais reacendem a desconfiança sobre suas intenções. Autoritarismo, no entanto, não resolverá os problemas.

Leonardo Vasconcelos
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Leonardo Vasconcelos
Publicado em 08/10/2017 às 9:31
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Declarações políticas de generais reacendem a desconfiança sobre suas intenções. Autoritarismo, no entanto, não resolverá os problemas. - FOTO: JC Imagem
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Em períodos de crise política como a que o Brasil atravessa atualmente, o discurso de restauração da ordem ganha mais coro e passa a ecoar em instituições como as Forças Armadas que transmitem uma imagem de hierarquia, credibilidade e segurança. Instigados por isso, alguns militares de alta patente passaram a externar suas insatisfações políticas abertamente.
O caso de maior repercussão foi o do general do Exército Antonio Hamilton Martins Mourão que, no mês passado, falando a maçons em Brasília, disse que o Exército teria de impor uma solução para o problema político brasileiro, afundado na corrupção, caso as instituições e o Judiciário não tirassem da vida pública “esses elementos envolvidos em todos os ilícitos”. Ele não foi o único.

O comandante militar do Sul, general Edson Leal Pujol, em um evento em Porto Alegre, recomendou à população insatisfeita com a situação política do País a ir para as ruas se manifestar “ordeiramente”, mas demonstrando sua indignação: “Há uma insatisfação geral da Nação e eu também não estou satisfeito”. As declarações coincidem com manifestações pró-militares pelo país.
Na avaliação do professor e cientista político Jorge Zaverucha, diversos fatores contribuem para esta visão. “A imagem dos militares para a população é geralmente associada a ações positivas. Ela lembra deles distribuindo água na seca, vacinando pessoas, defendendo as fronteiras na Amazônia, sempre dispostos a morrer pela Pátria”, analisa. “Nesse cenário de instituições desacreditadas, alvos constantes de denúncias de corrupção, o Brasil fica como uma nau à deriva. A população vai perdendo a esperança na classe política e encontra nas Forças Armadas um ideal de moralidade. A confiança nelas é um fato. Pode pegar qualquer pesquisa de opinião que as Forças Armadas aparece como a instituição laica de maior credibilidade junto à população”, afirmou”, afirmou o professor e cientista político Jorge Zaverucha.

A boa imagem que o Exército tem junto à população não é suficiente, no entanto, para resolver os reais problemas brasileiro. O conturbado período militar (1964-1985) nos lembra disso. Para o consultor e sociólogo José Arlindo Soares, não há contexto para uma nova intervenção militar e ela não poderia ser chamada de solução. “Apesar da insatisfação política, não há ruptura, as instituições estão funcionando. A operação Lava Jato é um exemplo disso. Ainda que os militares sejam bem vistos por parte da população, há ainda um grande trauma da ditadura militar que deixou, inclusive, problemas econômicos graves. Uma ‘solução militar’ não pode ser nem considerada nos tempos de hoje, não há ambiente mais para isso”, afirmou.

Entrevista Raul Jungmann, Ministro da Defesa

“Reflexo da desmoralização”

Encarregado dos assuntos relacionados às Forças Armadas, o ministro da Defesa Raul Jungmann (PPS) falou ao JC sobre as recentes declarações políticas de generais do Exército. Ele descarta qualquer ameaça à democracia. “O Brasil dispensa tutelas”. Para Jungmann, a solução para crise dos políticos é a própria política.

JORNAL DO COMMERCIO – Na sua opinião porque estão falando tanto de uma possível intervenção militar no Brasil?
RAUL JUNGMANN – Isso é um reflexo da perda de credibilidade, da desmoralização, vamos dar o nome certo, da política. Porque uma intervenção militar é o reverso da política. Ela é, de fato, um contexto autoritário e antidemocrático. Não está na Constituição, no pacto democrático que nos firmamos em 1988. Então o que eu vejo são duas coisas. Um sentimento de descrédito na política, nos políticos em geral, congresso, partidos, etc. Um sentimento de dizer: aqui está o efeito da falta de políticas públicas, da consideração de uma política de segurança e outros dirão de educação, de saúde, etc. Isto somado leva a que hoje você tenha muito mais que no passado essa idéia da intervenção militar.

JC – Mas o que o senhor pensa sobre isso?
RJ – Primeiro, constitucionalmente, não existe intervenção militar, seria uma ruptura antidemocrática. E isso obviamente seria algo autoritário e está fora absolutamente de cogitação. Segundo lugar as Forças Armadas são constitucionalizadas, observantes efetivamente da lei e, hoje, um ativo democrático que o Brasil tem. Terceiro e último, qual a alternativa que teria por exemplo uma intervenção militar? Ela ia resolver o problema da previdência? do déficit? da falta de credibilidade da política? Íamos fechar o Congresso Nacional? Não teríamos mais eleição? Voltaria a censura? É isso de fato? Vocês tem idade suficientes para saber do quê que eu falo. Então por aí não é saída. Nós estamos vivendo um rito de transição muito doloroso, muito difícil.

JC – O General Mourão afirmou que o que ele falou representa o sentimento de parte do alto escalão do Exército. Como está o clima interno?
RJ – O clima interno é de absoluta observância dos princípios e regras constitucionais. Eu converso com os comandantes com os quais convivo, inclusive na minha casa, na casa deles, com os altos comandos todos, e não existe clima, nem proposição de intervenção, até porque eles entendem claramente que o Brasil, como diz o comandante do Exército General Villas Bôas, dispensa tutelas. Não há necessidade disso. E eles sabem também que não caberia a eles (os militares), seria muito além das duas forças, se você deixar de lado a questão constitucional que é intransponível e eu respeito a constituição, de dar conta de um quadro como esse. O que você tem que fazer é dizer o seguinte: as instituições estão funcionando, com atritos, conflitos, levantes e denúncias. Elas deixaram de funcionar? A Lava Jato não está aí? O Congresso não está aí? A presidência, com todos os seus problemas, não está aí? Ora, as instituições estão funcionando, tem político preso, militar preso, ex-ministro preso, tem empresários presos. Inclusive os maiores do país. Joesley Batista e Marcelo Odebrecht estão na cadeia. Isso é hora de você dizer: pára, não quero mais, não funciona? Não! Estão funcionando. E, eu diria, e bem! Qual é o outro país do mundo que faz um processo de limpeza como esse que nós estamos fazendo nesse momento? Deem uma olhada aí para os outros países. Não tem nada aqui ficando debaixo do tapete e é a democracia que permite isso. Isso é que é bonito. Esse conflito todo, esse rolo todo, é a democracia que permite.

JC – Mas poderíamos dizer uma intervenção militar está descartada?
RJ – Olha, eu não só penso isso, eu acredito que as Forças Armadas pensam do mesmo jeito. Elas estão voltadas para a constituição, firmes na defesa da democracia e não existe nenhum espírito, nenhuma propensão, nenhuma intenção, nenhuma articulação de qualquer tipo de intervenção. Aliás, como já disse o próprio comandante do exército.

JC – E os momentos em que o exército foi para as ruas garantir a segurança, inclusive aqui em Pernambuco, como o senhor avalia?
RJ – Isso só acontece quando há uma perda da ordem pública, quando o governo não tem condições de manter a segurança pública. Está dentro da Constituição o uso das Forças Armadas. Isso tem acontecido em qualquer governo. De 1989 pra cá, teve que se recorrer em algumas situações por perda de controle da segurança. Você não pode deixar uma população inteiramente aterrorizada, exposta à criminalidade. Se não há forças de segurança para manter a ordem, assegurar a vida e a propriedade, então pela constituição cabe o recurso das Forças Armadas. Mas é um recurso extraordinário, em local limitado e por tempo limitado.

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