OPERAÇÃO APNEIA

MPF recorre contra decisão que transferiu para Justiça Estadual investigação de supostos desvios de recursos da pandemia na Prefeitura do Recife

Investigação apura possível direcionamento e desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Prefeitura do Recife.

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José Matheus Santos

Publicado em 29/06/2021 às 9:13 | Atualizado em 29/06/2021 às 9:57
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O Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) contra decisão proferida pela primeira instância da Justiça Federal em ação penal movida contra seis pessoas no âmbito da Operação Apneia, deflagrada em maio do ano passado para investigar possível direcionamento e desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Prefeitura do Recife.

A denúncia trata de contratação, por parte do município do Recife, da microempresa Juvanete Barreto Freire (Brasmed Veterinária) para o fornecimento de ventiladores pulmonares (respiradores) para o enfrentamento da pandemia de covid-19 em 2020.

Na decisão proferida em primeiro grau, a Justiça Federal se declarou incompetente para julgar os crimes de dispensa indevida de licitação e peculato, transferindo o caso para a Justiça Estadual, bem como declarou incompetência territorial para apreciar crimes contra a ordem tributária, alegando que competiria à Seção Judiciária de São Paulo.

A Juvanete Barreto Freire ME (Brasmed Veterinária), especializada em produtos veterinários e aberta poucos meses antes dos processos licitatórios, foi contratada por meio de duas dispensas de licitação para o fornecimento de 500 respiradores, realizadas em caráter emergencial e fundamentadas na Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia.

O valor total dos contratos foi de R$ 11,5 milhões, mas, segundo o MPF, o faturamento anual da microempresa perante a Receita Federal era de R$ 50 mil. Ainda de acordo com a investigação, a empresa também não demonstrou capacidade técnica e operacional para o fornecimento dos ventiladores.

São alvos da denúncia do MPF, assinada pela procuradora da República Silvia Regina Pontes Lopes, o ex-secretário de Saúde do Recife Jailson de Barros Correia, o ex-diretor executivo de Administração e Finanças da Secretaria de Saúde do município Felipe Soares Bittencourt e a ex-gerente de Conservação de Rede da Secretaria de Saúde do Recife Mariah Simões da Mota Loureiro Amorim Bravo, bem como os empresários Juarez Freire da Silva, Juvanete Barreto Freire e Adriano César de Lima Cabral.

No recurso, os procuradores da República Cláudio Dias e Silvia Regina Pontes Lopes defendem que "a falta de transparência na aplicação de recursos durante a pandemia inviabiliza a rastreabilidade ampla e prévia dessas verbas por órgãos federais, inclusive os de persecução criminal (MPF e Polícia Federal), ensejando violação ao interesse federal, e a competência da Justiça Federal, como prevê a Constituição da República".

“Com efeito, não há de se restringir a discussão da competência federal, limitando-a a uma questão eminentemente ‘patrimonial’, sob pena de se aglutinar o sentido jurídico-normativo da expressão ‘em detrimento de interesse federal’, constante do art. 109, IV, da Constituição, convertendo-o em mera repetição da expressão ‘em detrimento de bens da União’, o que, em escorreita hermenêutica constitucional, não se afigura assertivo”, afirmam os procuradores da República.

Além disso, destacam que "o contexto dos fatos das investigações revelam o interesse da União, em razão do cofinanciamento bilionário mediante repasse de vultosos recursos aos entes subnacionais para o enfrentamento da pandemia, bem como a interoperabilidade das contas que financiam os gastos, notadamente os de média e alta complexidade no enfrentamento da pandemia". "A mudança do financiamento de gasto do Fundo Municipal de Saúde para empréstimo da Caixa Econômica Federal contraria o gerenciamento de bens e interesse de empresa pública federal, ensejando por este argumento, da mesma forma, a competência da Justiça Federal para processamento do feito", afirma o MPF.

"Somente no município do Recife, a União cofinanciou as ações de saúde, auxílio e combate à covid-19 em valores que superam R$ 1 bilhão", afirma o MPF, que também cita supostas manobras contábeis dos gestores denunciados, "que teriam ocultado e alterado as fontes de custeio das aquisições dos respiradores, de forma a dificultar a atuação dos órgãos federais de controle".

O MPF alega que houve uso de verbas do SUS, o que atrai a atribuição fiscalizatória da União, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "A aplicação desses recursos, incluindo os estaduais e municipais, está sujeita à fiscalização do Sistema Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus)". O MPF também argumenta que a Lei Federal 8.080/90 estabelece que compete à direção nacional do SUS definir e coordenar, dentre outros, os sistemas de redes integradas de assistência de alta complexidade – caso das aquisições alvos da denúncia.

No âmbito do MPF, o enunciado 16 da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão dispõe que "havendo transferência de recursos da União, inclusive fundo a fundo, a fiscalização federal atrai a atribuição do Ministério Público Federal". "No caso, a transferência fundo a fundo é uma das hipóteses de delineação da competência federal, admitindo outras hipóteses de transferências, como se afigura a hipótese do cofinanciamento maciço da União para o combate à covid-19".

Os procuradores da República argumentam que os recursos transferidos para a Juvanete Barreto Freire ME foram oriundos do Fundo Municipal de Saúde, vinculados ao SUS. Além disso, segundo as apurações, do total pago por esse fundo em 2020 para o enfrentamento da pandemia, a maior parte dos gastos foi de recursos federais. De acordo com nota técnica do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO/PE), o total repassado do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal de Saúde do Recife, no ano passado, foi de mais de R$ 580 milhões, dos quais aproximadamente R$ 125 milhões foram destinados ao combate à pandemia.

Os procuradores da República defendem também que “a competência federal para apurar os fatos investigados no âmbito da Operação Apneia já foi objeto de decisões por parte do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, do STJ e do STF, não havendo circunstância fática a alterar os entendimentos anteriormente consagrados”.

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