A canibalização do BRT pernambucano. É o fim do sistema?

Publicado em 20/09/2019 às 8:32 | Atualizado em 10/05/2020 às 17:13
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Depois da queda, o coice. Como se não bastasse a degradação do sistema, agora as estações de BRT estão sendo canibalizadas por vândalos, que estão roubando piso, teto, fios e tudo que encontram pela frente. Fotos: Filipe Ribeiro/JC Imagem  

 

Elas já foram chamadas de estações-monstro, estações-forno, e há pelo menos quatro anos convivem com uma degradação gritante. Mas agora, as 42 estações do sistema BRT pernambucano, símbolo do modelo de transporte que deveria ser equivalente a um metrô sobre pneus, chegaram ao limite da destruição: estão sendo canibalizadas nas madrugadas. O governo de Pernambuco cortou a vigilância patrimonial privada que cuidava dos equipamentos desde maio e, a cada dia, partes das estações – cuja operação custa R$ 32 mil por mês – têm sido roubadas na cara dos operadores e do gestor do sistema de transporte da Região Metropolitana do Recife, o Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT). Sem que nada seja feito. Ou o insuficiente para impedir a continuidade do vandalismo.

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A situação mais crítica é, como sempre, no Corredor Norte-Sul, o maior dos dois em operação, com 33 quilômetros de extensão ligando Igarassu, no Norte da Região Metropolitana, ao Centro do Recife. Especialmente em três estações instaladas na Avenida Cruz Cabugá, eixo importante de acesso ao Centro: Araripina, Santa Casa de Misericórdia e Tacaruna. As unidades têm sido invadidas a partir da meia-noite, quando os auxiliares de estação largam e deixam os equipamentos sem qualquer vigilância. Homens e até mulheres estão roubando as placas de alumínio que compõem o piso das estações, suportes de apoio dos passageiros, assim como a fiação, modens de internet, garrafões de água, cadeiras e tudo mais que vêem pela frente. Como se não bastasse, também estão arrobando o teto das unidades em busca de fios de cobre e de peças dos equipamentos de refrigeração, potencializado a degradação já intrínseca ao sistema. As estações ainda estão virando reduto de viciados e sendo utilizadas como dormitório.

 

Governo de Pernambuco cortou a vigilância patrimonial armada e, desde então, as estações estão virando reduto de viciados e dormitório. Foto: Conorte

 

A Estação Araripina – entre as três piores, a mais próxima do Centro – é a mais destruída de todas. Na semana passada teve boa parte do piso de alumínio roubado e na madrugada de quinta-feira (19) ficou sem energia porque os vândalos, diante da facilidade e da falta de ação do Estado, retornaram em busca de mais peças. Roubaram a fiação de energia, danificaram outras peças tentando chegar às máquinas de recarga dos cartões VEM e quebraram os validadores que fazem a leitura dos cartões, que custam R$ 7,5 mil a unidade.  

 

 

 

“É uma sucessão de degradação. Quando eles roubam a fiação, o sistema de abertura e fechamento das portas deixa de funcionar e a estação fica totalmente aberta e desprotegida. É quando as invasões e os roubos aumentam. Durante o dia entram sem pagar a passagem e, à noite, roubam. E a gente fica no meio disso tudo. Dá medo e revolta de ver um equipamento como esse ser destruído assim, sem que nada seja feito”, desabafa um auxiliar de estação que atua no Corredor Norte-Sul e, por medo de demissão, não quis se identificar.

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Fotos: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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O abandono fica ainda mais evidente quando se considera que as três estações que deram o start na canibalização do sistema BRT pernambucano estão localizadas numa via próxima ao Centro, onde estão instalados diversos órgãos e secretarias do governo de Pernambuco – entre eles a Secretaria de Defesa Social – e também da Prefeitura do Recife, como é o caso da nova sede da CTTU. Outro fato absurdo é que os episódios de invasão e roubo das estações começaram há mais de um mês e têm sido flagrados pelas câmeras ainda existentes nas unidades. Nas imagens é possível identificar sem dificuldades os autores dos atos de vandalismo.

“O governo do Estado abandonou o sistema BRT e não sabemos o que fazer. O sistema está na UTI, em fase terminal. O que estão fazendo com as estações é um retrato disso. Até as pastilhas utilizadas na construção das unidades estão sendo roubadas. São equipamentos que não podem ficar sem vigilância à noite, sob risco de serem totalmente destruídos. Tememos que seja o início do fim do sistema BRT”, lamenta Honório Gonçalves, superintendente do Consórcio Conorte, que opera o BRT Norte-Sul. Os operadores são os primeiros a ver e a sofrer com o vandalismo porque fecham, abrem e têm que conviver com o desmonte dos equipamentos. Por isso, já encaminharam diversos ofícios ao GRCT pedindo providências. “Nós já tentamos, inclusive, assumir a manutenção e gestão das estações, mas o Estado não concordou”, relata Honório Gonçalves. O mesmo também foi tentado pela MobiBrasil, que opera o Corredor de BRT Leste-Oeste.

 

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Fotos: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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“O governo do Estado abandonou o sistema BRT e não sabemos o que fazer. O sistema está na UTI, em fase terminal. O que estão fazendo com as estações é um retrato disso. Até as pastilhas utilizadas na construção das unidades estão sendo roubadas. São equipamentos que não podem ficar sem vigilância à noite, sob risco de serem totalmente destruídos. Tememos que seja o início do fim do sistema BRT”, lamenta Honório Gonçalves, superintendente do Consórcio Conorte, que opera o BRT Norte-Sul. Os operadores são os primeiros a ver e a sofrer com o vandalismo porque fecham, abrem e têm que conviver com o desmonte dos equipamentos. Por isso, já encaminharam diversos ofícios ao GRCT pedindo providências. “Nós já tentamos, inclusive, assumir a manutenção e gestão das estações, mas o Estado não concordou”, relata Honório Gonçalves. O mesmo também foi tentado pela MobiBrasil, que opera o Corredor de BRT Leste-Oeste.

A canibalização do Corredor Leste-Oeste, que liga o município de Camaragibe, no extremo Oeste da Região Metropolitana, ao Centro do Recife pela Avenida Caxangá, está mais lenta. Pelo menos por enquanto. Mas o roubo de partes do piso de alumínio já pode ser verificado em algumas unidades. A Abolição, que teve a construção concluída somente em 2018 e está localizada na Rua Benfica, na Madalena, por exemplo, já teve uma das placas de alumínio do piso roubada.

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O governo de Pernambuco não deu entrevista sobre a canibalização das estações de BRT, mas por email respondeu aos questionamentos da reportagem. O Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT) confirmou o vandalismo e furto de algumas estações de BRT e afirmou que, por isso, um grupo de trabalho foi criado recentemente para discutir melhorias na segurança dos equipamentos. O coletivo é formado por representantes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), da Secretaria de Defesa Social (SDS), do Consórcio e das empresas operadoras – Consórcios Conorte e MobiBrasil.

Foto: Conorte
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Uma das propostas em análise é um convênio de cooperação técnica entre o GRCT e a SDS para a utilização de policiais militares, em regime de Programa de Jornada Extra de Segurança (PJES), nas estações de BRT. O custo, entretanto, tem sido considerado alto: R$ 600 mil por mês para cada um dos corredores. Segundo o GRCT, na tentativa de identificar o melhor modelo de segurança para evitar ainda mais vandalismo, foi intensificada a fiscalização e o monitoramento das ocorrências no entorno das estações.

Em paralelo a essas ações, o Consórcio iniciou no dia 10 de setembro a requalificação de quatro estações de BRT, ao custo de R$ 900 mil. As obras foram iniciadas na EBRT Istmo do Recife, situada no Cais do Apolo, em frente ao Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife. As intervenções incluem a troca do piso, mudança no estilo da coberta, reposição de corrimão, pintura, sinalização, reposição e troca de cerâmica, além de serviços na rede elétrica. A estação deverá ser entregue à população completamente requalificada em 30 dias. No cronograma de obras estão previstas intervenções nas EBRTs BR-101, Guararapes e Tacaruna.

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