Metrô, ônibus e Uber. Tudo junto e misturado

Roberta Soares Roberta Soares
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Publicado em 25/11/2019 às 14:00 | Atualizado em 08/05/2020 às 15:10
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Uber começou a dar o pulo do gato: de inimigo do transporte público, está virando parceiro. Foto: CCR/Divulgação  

 

O conceito MaaS (Mobility as a Service), que vê a mobilidade urbana como um serviço prático, multimodal e o passageiro como um cliente, avança no Brasil. E, logicamente, começando por São Paulo, a capital brasileira que puxa o País quando o assunto é inovação. O governo do Estado de São Paulo deixou de lado o medo comum ao setor de transporte público e aceitou entrar como parceiro da Uber na oferta de mais tecnologia e, consequentemente, opções de escolha aos passageiros da região metropolitana paulista. Tendo a Secretaria Metropolitana de Transportes como parceira, a Uber lançou um novo recurso no aplicativo que integra os transportes público e privado na Grande São Paulo. O serviço, chamado de Uber Transit, está disponibilizando desde o dia 14 de novembro informações sobre linhas de metrô, trens e ônibus direto no aplicativo da Uber. Assim, permite que o usuário compare as opções de modais e planeje viagens completas ou parciais mesclando ou não o transporte privado com o transporte público. Tudo isso recebendo instruções passo a passo e itinerários em tempo real fornecidos pela empresa de tecnologia.

O projeto está chegando gradativamente aos clientes da Uber. Quando se abre o app em São Paulo surgem as opções de rotas e seus respectivos valores utilizando as modalidades de transporte privado – o UberX e o Uber Juntos – e, agora, de transporte público, cada um com seus respectivos valores. Quando selecionada a opção, são exibidas as melhores rotas para se chegar ao destino usando a rede de transporte público, com horários de partida e chegada atualizados, além de instruções de caminhada para os pontos de embarque e desembarque. Para facilitar comparações, o app mantém a exibição de preços e horários de chegada estimados para todas as opções. No mundo, já são 12 cidades que disponibilizam o Uber Transit, incluindo São Paulo, a primeira do Brasil: Denver, Boston, Chicago, Nova York, São Francisco, Washington DC (EUA), Cidade do México (México), Londres (Inglaterra), Paris (França), Délhi (Índia) e Sidney (Austrália).

 

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  O pagamento integrado da tarifa (Uber e transporte público juntos) pelo app, algo que simbolizaria ainda mais o conceito MaaS e seria excelente para o usuário, ainda não é possível. Mas o recurso já está em teste num projeto piloto desenvolvido em Denver, capital do Colorado, nos Estados Unidos. Pela Uber, chegará ao Brasil assim que possível, mas enfrenta resistência do poder público. Essa resistência, inclusive, ficou evidente na entrevista coletiva realizada em São Paulo para o lançamento do projeto. Segundo o secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Alexandre Baldy, será necessária uma ampla negociação com os entes públicos por envolver operações financeiras com envio de dinheiro de um lado para o outro. Há quem diga que essa integração tarifária, pelo menos via o app da Uber, deverá ser uma missão quase impossível.

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É tanto que muitas cidades têm resistido à parceria financeira. A Uber, sabia e estrategicamente, está indo ao encontro do seu cliente, identificado em pesquisas como o mesmo do transporte público. A multimodalidade, inclusive, é a opção das novas gerações – exatamente o conceito do MaaS: ninguém anda só de carro, só de ônibus ou só de metrô. É possível mesclar todos, economizar, viver mais a cidade, ter novas experiências e fugir das ruins. Pesquisa do Datafolha mostrou que, no País, 84% das pessoas ouvidas já utilizaram aplicativos de mobilidade para complementar viagens de transporte público. Além disso, a Uber também ameniza e, talvez, até evite conflitos com o transporte público, que em muitos lugares vê a plataforma (e todas do tipo) como um inimigo.

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DADOS DA PESQUISA DO DATAFOLHA

* No Brasil, 84% das pessoas ouvidas na pesquisa já utilizaram aplicativos de mobilidade para complementar viagens de transporte público

* No recorte do Nordeste, esse percentual de multimodalidade é de 83%

* No recorte de São Paulo, sobe para 9

* Recorte nacional por gênero:

Entre os homens: 86%

Entre as mulheres: 82%

 

* Recorte nacional por idade:

Até 24 anos: 89%

Entre 25 e 34 anos: 88%

Entre 35 e 44 anos: 83%

Entre 45 e 59 anos: 81%

Mais de 60 anos: 73%

* Recorte nacional por escolaridade: Fundamental: 78% Médio: 87% Superior: 83%

** A pesquisa do Datafolha foi encomendada pela Uber e realizada para levantar dados que possam reforçar a estratégia da empresa de estimular a cultura do transporte multimodal no Brasil. O levantamento teve abrangência nacional (3.531 entrevistados), incluindo capitais, cidades de outras regiões metropolitanas e cidades do interior, de diferentes portes, em todas as regiões do Brasil.

** No caso de São Paulo, a Uber também realizou um estudo interno que revelou que as estações da CPTM estão na liderança das viagens complementares realizadas pelo app.

DEIXANDO O MEDO DE LADO

Na verdade, a Uber poderia ter disponibilizado o Uber Transit no Brasil sem necessidade da anuência do Estado. Pelo menos no estágio em que se encontra o projeto no País – uma plataforma de roteirização estimada, ainda sem o pagamento integrado das tarifas entre os dois tipos de transporte: privado e público. Mas o caminho escolhido foi o da parceria, o que é bom para o poder público, ainda melhor para a Uber e excelente para o passageiro. Quem explica essa relação e os desafios que ela apresenta é o secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy, e a diretora-geral da Uber no Brasil, Claudia Woods.

A parceria com o Uber Transit não cria um risco de esvaziamento do transporte público na última milha (último deslocamento do passageiros), já que os ônibus perdem tempo quando chegam na periferia porque não contam com corredores exclusivos? Além disso, o valor da tarifa se assemelha muito ao do Uber, estimulando o uso do transporte individual?

ALEXANDRE BALDY – O risco é exclusivo da Uber. A plataforma de roteirização estimada foi criada e pertence à plataforma Uber, portanto, o que eles desenvolveram e estão apresentando é uma novidade global, que está sendo desenvolvida em todo o mundo e que não depende em absolutamente nada do poder concedente. Seja o estadual, sejam os municipais. Sendo assim, na minha visão, o ponto de vista é inverso. É a Uber quem quer colocar para os seus usuários as opções do transporte público de massa, seja sobre pneus ou trilhos, para que o cidadão escolha o que usar entre a origem e o destino. Portanto, a questão da possibilidade de fuga do passageiro do transporte público para o aplicativo é uma discussão longa, complexa, mas inevitável porque a tecnologia, a modernidade e o acesso da população a esses mecanismos fazem com que ela aconteça com muita velocidade.

Quando o pagamento integrado da tarifa (do Uber e do transporte público) pelo aplicativo será possível no Brasil? E como será feito?

CLAUDIA WOODS – É uma visão futura. Já temos uma cidade que está sendo nosso projeto piloto, que é Denver (capital do Colorado, nos Estados Unidos), operando no formato de pagamento integrado entre os modais No Brasil, pelo menos por enquanto, estamos apenas com o planejamento de rota. Mas o pagamento integrado é nossa ambição.

O governo do Estado de São Paulo é a favor do pagamento integrado da tarifa? Acredita ser possível para o transporte público?

ALEXANDRE BALDY – A possibilidade da integração tarifária exige uma discussão mais ampla porque em São Paulo nós temos majoritariamente a população utilizando o Bilhete Único. Portanto, não é cabível uma solução individual, totalmente decidida pelo governo do Estado. Mas é claro que, como cada vez mais nós temos soluções sendo desenvolvidas para simplificar a vida da sociedade, é fundamental estar atento a elas. Mas tudo precisa ser discutido com os outros entes. São 39 cidades que precisam estar na mesa conversando com suas plataformas de pagamento do sistema de transporte público. Precisamos integrar com todos os entes municipais. Mas estamos atentos a todas essas inovações. Um exemplo é o pagamento da tarifa com QRCode, que começamos a testar recentemente no metrô e nos trens. Temos buscado soluções para facilitar a vida da população.

Será possível ao passageiro fazer a rota conjunta do Uber com o transporte público? Simulando a utilização dos dois modais para realizar um único percurso?

CLAUDIA WOODS – A rota conjunta ainda não é possível, mas faz parte da visão do produto sim.

Como a Uber fará para evitar o preço dinâmico, por exemplo, nas saídas de estações e terminais. Pretende concentrar mais carros nessas áreas?

CLAUDIA WOODS – Isso faz parte do nosso algarismo de disponibilização. Por trás dele temos uma inteligência para identificar onde as pessoas estão e onde há demanda. Não existe necessidade de construir algo para isso. Existirá muita pulverização. Não haverá uma alta concentração em um ponto. Se houver, haverá sim mais carros disponíveis.    

 

Pelo app da Uber é possível ver rotas do metrô, trem e ônibus de São Paulo. Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem  

Qual o desafio de uma parceria dessas? Principalmente para o setor de transporte público?

ALEXANDRE BALDY – É um processo. A necessidade existe para os três lados (poder público, empresa privada e passageiro). Precisamos ver qual a melhor forma de fazer essa integração. Há o desafio de tecnologia sim, mas há também o desafio da mudança de comportamento da população. Mas estamos no caminho. Como exemplo, cito o teste com o pagamento via QRCode. Dos 20% de passageiros do sistema de transporte que estão tendo acesso à nova tecnologia disponibilizada no projeto piloto, apenas 7% têm usado o QRCode. Essa parceria com a Uber é o início.

A parceria prevê o compartilhamento de dados dos usuários do transporte e do trânsito entre o governo do Estado e a Uber? E qual o API que vocês estão usando?

CLAUDIA WOODS – Não. Esse produto não contempla o compartilhamento de dados. E consome os APIs públicos de planejamento de rotas, exibindo essa informação. Só há troca de informações sobre a rota.

Haverá repasse financeiro do Uber para o Estado de São Paulo?

CLAUDIA WOODS – O Uber Transit é um projeto independente e nosso. De fato, há uma parceria, mas não existe um acordo financeiro por trás dela. Estamos nessa parceria porque todas as pesquisas indicam a multimodalidade. Mostram que o usuário mescla os modais e é o que ele quer.

Pesquisas recentes mostram que os aplicativos de transporte privado de passageiros pioraram em até 3% o trânsito nas cidades, inclusive tirando passageiros do transporte coletivo. Vocês acreditam que essa parceria pode mudar essa realidade?

CLAUDIA WOODS – Nós lançamos no início do ano o Uber Movement, uma plataforma aberta para ser utilizada por qualquer pessoa. E essa ferramenta mostrou como a Uber tem ajudado a melhorar o trânsito. A queda do viaduto na Marginal Pinheiros foi um exemplo. Conseguimos indicar rotas alternativas para aliviar os transtornos.

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