Dr. Lionel e Mr. Messi

Ramon Andrade
Publicado em 09/07/2011 às 13:31


Por Miguel Rios, do Jornal do Commercio e autor da coluna O Papo É Pop, do NE10

Procura-se Messi, o cara escolhido para encher a camisa ao lado. Não, não é este que está correndo nos gramados da Copa América. Aliás, correndo pouco, andando muito, tentando pode até ser, mas, com gosto, gosto de verdade, nem de longe. Não, Messi ele não é. Deve ser um Lionel qualquer, um Andrés, um Cuccittini. Um gêmeo ruim, um clone com defeito genético, um androide com problema na bateria, uma personalidade oculta, uma entidade em um corpo que não lhe pertence. Messi nem de longe.


Messi ficou bem longe. Do outro lado do Atlântico, na Espanha, em Barcelona, no Camp Nou. O melhor do mundo, o jovem gênio, o Messi, perdeu o avião, se recusou a atravessar o oceano. Não gosta da Copa América. Não gosta da Argentina.


Pode gostar, mas não é um bem-querer sanguíneo. Daqueles de recordar com saudade, de ansiar pela viagem, pelo rever, de um prepara o churrasco e põe meia dúzia de Quilmes pra gelar que eu tô voltando.


Pode gostar, mas de leve. Simpatizar. Não se identifica com a Argentina. E a Argentina não se identifica com ele.

É terra estrangeira, repleta de gente com uma cultura da qual não compartilha, com jogadores com os quais não se entrosa. Não é um deles, não se considera da galera.


Não bastam explicações técnicas para o fracasso. De que sente falta de Xavi e Iniesta, de que a seleção por completo é uma bomba, de que está incapacitado de realizar algo. É mais. Os argentinos receberam uma carcaça sem raça, sem alegria de bola, sem ânimo, sem sorriso, sem expressão, com indiferença. Sem amor pátrio, sem nem saber, ou sabe e não quer, cantar o hino.


Messi se sente meio que turista. Um recém-chegado, deslocado, sem compromisso visceral. Por mais que seja profissional, pouco adianta. Nele a emoção de ser argentino se recusa a bater.


A camisa azul e branca lhe é somente uma chance de, por vaidade pessoal, ser campeão por uma nação, como foi na Olimpíada de Pequim, nada mais.


Não é culpa dele. Acontece. Emoção é sem rédeas, sem um interruptor ligue/desligue. Não se força ou se programa. Por mais que se beije escudo, que se ensaie, se interprete, por mais que se acene para torcida, paixão real ou vem espontânea ou nunca chega. Se chega, aí vem o esforço, o sofrimento e a euforia. Percebe-se a entrega. Se carece, percebe-se a apatia, o simples constar.


Não foi na Argentina onde cresceu e fez amigos. Não foi lá que se educou, criou caráter e teve chances. Não foi lá que viu a fama, degrau a degrau, se agigantar. A Argentina não é ele. É preciso mais que nacionalidade escrita em certidão de nascimento para se sentir de um lugar.


Tanto que Messi se transforma de azul e branco. Meio que kriptonita. Um fragmento de sua terra que o anula. O que ele poderia dar de único, de seu melhor, ao país que nasceu, ele não consegue. Messi, na vida, conta “apenas” com seu talento chutando uma bola. Não é o galã como David Beckham e Cristiano Ronaldo. Não é o moleque travesso como Neymar e Robinho. Nem o marrento como Edmundo e Loco Abreu. É o acanhadinho, o insosso, o sem escândalos sexuais, o regrado, o com jeito nerd, que passaria despercebido se não fosse quem é quando quer ser. Tipo Ganso.


Não tem sua vida pessoal em manchetes, não tem amores exibidos em fotos de primeira página. Vive sem exibicionismo. É o que jamais seria chamado para uma campanha publicitária, a não ser para o papel de babaquinha que todo mundo zoa em cima, o que não estaria em outdoors de creme de barbear, nunca apareceria só de cueca, em poses sexy, nunca faria editorial de moda, nunca estamparia a capa da revista GQ, nunca arrancaria um grito de fã.


E ele fez tudo o que foi citado, driblando os estereótipos, por ser Messi. Por ter três títulos da Champions League, por ser duas vezes o melhor do mundo, jogar em um dos maiores times do globo.


Mas este é o Messi de lá, do além-mar, da Catalunha, do Barça, sua pátria, onde ele sorri, é feliz, está em casa, tem tesão de jogo, onde recebeu seus parceiros de clube campeões do mundo, parabenizando, mas cheio de inveja e imaginação de que poderia estar ali na foto, de vermelho, comemorando também.


Quando é o Messi da Argentina, olha-se para ele com desconfiança e frieza. Os argentinos o olham ainda com desalento, desapego e raiva. Messi, entre os conterrâneos, é pouco, quase nada, menos que nada.


É o estrangeiro, que eles acham que deveria se esconder com um saco de papel na cabeça após cada jogo, que não faz nem um décimo do que faz no trailer que passa na cabeça de cada torcedor quando lembra dele no Barcelona.


É o  que será sempre cobrado por nunca ter conquistado uma Copa do Mundo, mesmo já tendo ganho ouro olímpico, um Mundial Sub-20. O que eles pretendiam que reencarnasse Maradona e decidisse partidas sem esperar pelos outros, que atravessasse defesas com determinação de locomotiva, fizesse gols de todo tipo, pé, cabeça e mão, que fosse exército de um homem só.


Não é. Resume-se a só rechear uma camisa 10, que lhe é tão pesada como estranha.

*As colunas assinadas não refletem, necessariamente, a opinião do NE10

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