CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA

Cremepe pede revogação de portaria do Ministério da Saúde que obriga médicos a notificarem à policia em casos de aborto legal

Conselho se manifestou por meio de nota divulgada nesta segunda-feira (31)

Carolina Fonsêca
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Carolina Fonsêca
Publicado em 31/08/2020 às 20:33 | Atualizado em 31/08/2020 às 20:45
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As duas mulheres foram atendidas pelo mesmo médico, segundo advogado das famílias delas - FOTO: Foto: Reprodução

O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) publicou uma nota, nesta segunda-feira (31), repudiando a Portaria editada pelo Ministério da Saúde na última sexta-feira (28), que obriga médicos e profissionais de saúde a notificarem a polícia ao atenderem vítimas de estupro que desejam realizar aborto legal. Na nota, o Cremepe afirma que a Portaria apresenta "conteúdo que flagrantemente viola a dignidade humana e o Código de Ética Médica, além de agravar o sofrimento das mulheres em situação de gestação decorrente de violência sexual". 

>> Médicos terão que avisar à polícia sobre casos de estupro que precisem do aborto legal

Além de repudiar a mudança exigida na conduta em casos de aborto legal, o Conselho também reafirmou sua posição pela revogação imediata da Portaria GM 2.282/2020, "na salvaguarda dos princípios legais, éticos e morais que norteiam a boa prática médica e a dignidade da pessoa humana."

No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida em três situações: quando é resultado de violência sexual, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante e em casos de fetos com anencefalia.

O Cremepe alegou que o Código de Ética Médica (CEM) determina, em seus princípios fundamentais, que o médico guarde absoluto respeito pelo ser humano e atue sempre em seu benefício, jamais utilizando seus conhecimentos para causar o sofrimento físico e moral ou permitindo acobertar tentativas contra a dignidade e integridade do paciente. 

"Portanto, ao obrigar o médico a revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, a uma autoridade policial, a Portaria viola o sigilo médico, pilar da relação médico-paciente (Art. Nº 73 do CEM) quando no artigo 1º da Portaria 2.282/2020, determina que: “É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”", descreve a nota. 

A portaria muda regras de 2005 e faz alterações no "termo de consentimento" que deve ser assinado pela vítima. Este documento apresenta uma lista de riscos e desconfortos causados pela interrupção legal da gravidez, mas passou a dar mais detalhes sobre efeitos da operação às vítimas de estupro. A nova regra também determina que os profissionais de saúde devem "informar acerca da possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso a gestante deseje, e essa deverá proferir expressamente sua concordância, de forma documentada."

Segundo o Conselho, a norma expõe a mulher a um constrangimento e sofrimento intenso quando possibilita a visualização do feto ou embrião, obrigando-a ainda a preencher documentos com informações explícitas sobre a violência sofrida e das complicações decorrentes do procedimento, "abalando de forma inadmissível sua saúde emocional e psíquica. Essas medidas podem configurar procedimento degradante, desumano ou cruel que contradizem o Art. 25 do CEM". 

"Diante do exposto o CREMEPE defende a existência de uma atenção humanizada às mulheres, com a garantia e respeito à sua autonomia em questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. O dever ético do médico é de sempre fazer o bem, minimizando os danos e atuando com imparcialidade, evitando que aspectos sociais, culturais, religiosos, morais ou outros que interfiram na sua relação com o paciente. Considerando ainda que, o Art. 128 do Código Penal Brasileiro e o Art. 154 do Código de Processo Penal Brasileiro, respaldam o ato médico e resguardam os direitos inquestionáveis e inalienáveis da pessoa, ratificados pelo Art. 24 do CEM", detalha a nota. 

Damares negou que haveria mudanças na portaria na véspera da publicação da portaria

Na quinta-feira (27), dia anterior à publicação da portaria, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, negou que o governo federal proporia mudanças na legislação sobre aborto legal. "Não, o governo Bolsonaro não vai apresentar nenhuma proposta para mudar a legislação atual de aborto. Isso é um assunto do Congresso Nacional. O Congresso Nacional que decida por lá", disse.

A mudança em regras sobre aborto legal acontece poucas semanas após o caso envolvendo uma criança de dez anos, estuprada e engravidada pelo próprio tio, no Espírito Santo. Os dados da menina foram vazados pela extremista Sara Giromini nas redes sociais. No dia em que a criança foi internada, no Recife, para interromper a gravidez de forma legal, um grupo contra o aborto foi para a frente do hospital e tentou impedir o procedimento.

Confira a nota do Cremepe na íntegra

"O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco – CREMEPE vem a público repudiar a Portaria GM Nº 2.282/2020 por apresentar conteúdo que flagrantemente violam a dignidade humana e o Código de Ética Médica, além de agravar o sofrimento das mulheres em situação de gestação decorrente de violência sexual.

O Código de Ética Médica (CEM), em seus princípios fundamentais, determina que o médico guarde absoluto respeito pelo ser humano e atue sempre em seu benefício. Jamais utilize seus conhecimentos para causar o sofrimento físico e moral ou permita acobertar tentativas contra a dignidade e integridade do paciente.

Portanto, ao obrigar o médico a revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, a uma autoridade policial, a Portaria viola o sigilo médico, pilar da relação médico-paciente (Art. Nº 73 do CEM) quando no artigo 1º da Portaria 2.282/2020, determina que: “É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”.

A normativa ainda expõe a mulher a um constrangimento e sofrimento intenso, quando possibilita a visualização do feto ou embrião, através de ultrassom, obrigando-a ainda a preencher documentos com informações explicitas sobre a violência sofrida e das complicações decorrentes do procedimento, além da sua assinatura (ou de pessoa responsável, no caso de incapaz) sobre o ato de interrupção da gravidez, abalando de forma inadmissível sua saúde emocional e psíquica. Essas medidas podem configurar procedimento degradante, desumano ou cruel que contradizem o Art. 25 do CEM.

Diante do exposto o CREMEPE defende a existência de uma atenção humanizada às mulheres, com a garantia e respeito à sua autonomia em questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. O dever ético do médico é de sempre fazer o bem, minimizando os danos e atuando com imparcialidade, evitando que aspectos sociais, culturais, religiosos, morais ou outros que interfiram na sua relação com o paciente.

Considerando ainda que, o Art. 128 do Código Penal Brasileiro e o Art. 154 do Código de Processo Penal Brasileiro, respaldam o ato médico e resguardam os direitos inquestionáveis e inalienáveis da pessoa, ratificados pelo Art. 24 do CEM.

Assim, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, reafirma sua posição pela revogação imediata da Portaria GM 2.282/2020, na salvaguarda dos princípios legais, éticos e morais que norteiam a boa prática médica e a dignidade da pessoa humana."

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