Dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS)* mostram que, somente em 2020, 642 internações de meninas entre 10 e 14 anos para realização de abortos foram registradas pelo Ministério da Saúde. Em média, são seis abortos por dia entre meninas nesta faixa etária.
Ainda segundo o sistema, desde 2008, quase 32 mil abortos envolvendo meninas entre 10 e 14 anos foram registrados. Nesse domingo (16), uma criança de dez anos foi submetida a um aborto legal no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (Cisam/UPE), no Recife. O procedimento, autorizado pelo juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude da cidade de São Mateus, foi realizado após a menina ser estuprada, durante quatro anos, pelo próprio tio na cidade de São Mateus, no Espírito Santo. O caso teve repercussão após ser divulgado que a Justiça do Espírito Santo estava analisando a situação e também após os médicos se negarem a realizar a interrupção da gravidez.
Segundo o advogado criminalista Diego Alves, o caso só foi para a Justiça porque a menina não tinha ninguém que a representasse. "Como ela não tinha nenhum representante, porque a mãe dela também está sendo investigada se consentia (com o estupro) ou não, a mãe não poderia opinar sobre a situação do aborto porque ela (a vítima), então a mãe dela não poderia opinar na situação do aborto. Porque, ela (a vítima) tem dez anos e é considerada incapaz. O que o Estado fez, o Estado entendeu que ela não tinha ninguém como representante, e resolveu intervir", explicou.
O advogado explicou ainda que, mesmo o aborto em casos de estupro estar previsto no artigo 128 do Código Penal Brasileiro, e a Justiça autorizar a realização do aborto, todo médico tem o direito de se negar a realizá-lo. "O médico não cometeu nenhum crime ao se negar a fazer o procedimento. O juiz determinou que fosse feita a interrupção. O médico teria que acatar porque decisão judicial a gente não discute, a gente cumpre. Só que, o que aconteceu, ele como médico tem o direito de se negar a fazer esse tipo de procedimento, e o Estado vai e toma as providências de procurar um lugar especializado para fazer esse procedimento", disse.
De acordo com o médico obstetra Eugênio Pita, especialista em medicina fetal e ex-coordenador do programa de Abortamento Previsto em Lei do Hospital Agamenon Magalhães, o aborto "é um direito inquestionável da mulher", e, nesse caso, "não há necessidade nem de pedir autorização à justiça".
Segundo o especialista, a interrupção da gravidez nesses casos não é da criança não suportar a gravidez, é pelo fato dela ter sido ocasionada por um estupro. "O pensamento no caso da interrupção da gravidez, não é suportar a gestação. É porque a gravidez foi decorrente de estupro. É óbvio que uma criança de dez anos grávida há um risco de uma série de complicações de parto prematuro, etc, na maior parte das vezes não evolui para um parto normal e tem que ser realizado parto cesáreo, mas não é o risco da criança. É porque ela é uma mulher, ainda criança, que foi estuprada. Então o aborto é pelo estupro", comentou.
O médico ainda explicou que, todo o procedimento de aborto é realizado com o objetivo de evitar problemas futuros para a mulher. Segundo o obstetra, "é um procedimento muito simples". "Se é uma gravidez de oito a dez semanas, pode ser feita até uma aspiração. Faz uma anestesia e faz um procedimento chamado de amil. Agora, principalmente, depois da décima segunda semana, se usa uma medicação que provoca contrações uterinas e o útero mesmo se contrai e expulsa o feto", relatou.
*Os dados foram extraídos pela BBC News Brasil