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Ex-seminaristas acusam arcebispo de Belém de abuso sexual

Caso está sendo investigado pela Polícia Civil, a pedido do Ministério Público, e pelo Vaticano

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JC

Publicado em 04/01/2021 às 10:29 | Atualizado em 04/01/2021 às 11:56
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Mais casos de abuso sexual envolvendo autoridades religiosas vieram à público na noite desse domingo (3). Uma reportagem exibida pelo Fantástico, da TV Globo, revelou acusações de abuso sexual contra Dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém do Pará, uma autoridade da Igreja Católica no Brasil. De acordo com a reportagem, quatro ex-seminaristas dizem que ele utilizou de seu poder para investidas sexuais não consentidas em encontros privados.

Segundo as vítimas, que não quiseram se identificar, Dom Alberto teria praticado os abusos tanto na Cúria Metropolitana como na residência dele, que ficam a um quilômetro de distância. É comum que os arcebispos em geral recebam seminaristas na Cúria, para conversar sobre vocação religiosa. Na época dos supostos abusos, entre 2010 e 2014, os seminaristas tinham entre 15 e 18 anos.

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Ainda segundo os ex-seminaristas, os encontros na casa do arcebispo aconteciam em três ambientes: na capela, onde a conversa era sobre vocação religiosa; na sala, quando assunto era focado na família e nos estudos; e, geralmente no fim da noite, no quarto. Era lá que eles falavam sobre intimidades e, segundo os jovens, onde ocorriam os abusos.

"Os encontros eram sempre sobre a sexualidade. O primeiro ponto que ele sempre tocava era sobre a masturbação. Era sobre toque, se eu sentia desejo, por quem que eu sentia desejo", disse um ex-seminarista ao Fantástico. Foi em uma dessas conversas que o arcebispo começou a praticar abusos contra a vítima, segundo ela.

“Quando ele me tocou, na minha parte íntima, disse que aquilo ali era normal, coisa do homem. Mas, assim, eu não via maldade, porque confiei muito, por ele ser uma autoridade, também não tinha experiência. Mas aquilo foi se tornando já permanente e já mais agressivo. Ele já me recebia na porta e já ia logo pegando”, declarou. Com esse ex-seminarista, os abusos teriam ocorrido, em média, de três em três meses, ao longo de dois anos. 

Outro ex-seminarista relata que o arcebispo ficou sem roupa na frente dele e chegou a rezar. "No meu caso, houve um momento em que ele, ele mesmo abaixou as minhas calças, porque eu estava perplexo, e tocou e também rezou. Primeiro fui eu, depois ele. Eram orações para curar, se encostando, abraçando e ele se deitou na cama e… complicado", desabafou.

Já uma terceira vítima conta que conheceu o arcebispo na Cúria, em 2010, e, na ocasião, eles conversaram sobre virgindade e relações sexuais. Durante a conversa, o arcebispo teria pedido para que ela mostrasse como se masturbava. Os dois se encontraram novamente um ano depois.

"Ele pediu para que eu ficasse de pé na frente dele, no meio das pernas dele. E pediu que eu fechasse meus olhos. Eu fechei os olhos, aí ele começou a rezar e foi quando ele pegou em meus órgãos genitais, acho que esperando alguma reação, sei lá, mas não houve nada. Ele me abraçou, deu um beijo próximo da minha boca e disse que é assim, que tinha que rezar", declarou.

Após os abusos, a terceira vítima conta que quis sair do seminário e foi ofendida pelo arcebispo. "Quando eu comecei a falar para ele que eu queria sair do seminário por isso, isso e isso, comecei a chorar. Ele mudou o humor, repentinamente. Bateu na mesa, me xingou de 'viado', disse que chorar era coisa de 'viado', que eu tinha que ser homem, que eu tinha que ser forte. E isso tudo gritando, assim, de maneira que até chegou a me assustar. E aí nesse dia que ele levantou da mesa dele e me abraçou. Ficou pegando nos meus órgãos genitais, apalpando. Me abraçou, me deu outro beijo perto da boca, disse que gostava muito de mim, que queria me ver ordenado padre", concluiu.

Assédio 

Um ponto em comum entre o relato das vítimas são conversas entre eles o arcebispo sobre uma suposta cura da homossexualidade. Segundo os ex-seminaristas, o arcebispo entregou a eles um livro, que possui procedimentos para o que Dom Alberto chamava de "tratamento". É aí que entra o relato da terceira vítima, que afirma ter sofrido assédio. "Você lia o livro e dizia assim, que ser homossexual é uma doença, que a gente precisava ser tratado e ajudado", disse. 

Além disso, o arcebispo, segundo a quarta vítima, fazia ameaças para que os ex-seminaristas ficassem calados. "'Não fale nada para ninguém que vai ser pior para você', era muito recorrente. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco", contou o jovem.

Denúncias

Entre o fim de 2017 e 2018, as denúncias foram feitas a dois padres. Em junho de 2019, os padres registraram os depoimentos dos quatro ex-seminaristas e escreveram uma carta. Os conteúdos foram entregues a Dom José Azcona, bispo emérito do Marajó, que é conhecido por lutar contra o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.

Segundo os padres, ainda em 2019, Dom Azcona teria denunciado o caso a outro bispo, Dom Pedro Conti, como recomenda a Igreja Católica, para que o caso fosse levado ao Vaticano. Já em fevereiro de 2020, Dom Azcona teria ido à sede da Nunciatura Apostólica de Brasília, que é a representação diplomática da Santa Sé no Brasil, para pedir investigações sobre os casos.

Em agosto, os ex-seminaristas procuraram a Polícia Civil e o Ministério Público do Pará. O Ministério Público disse ao Fantástico que recebeu a denúncia e encaminhou à Polícia Civil para investigação. Já a Polícia Civil afirmou que instaurou inquérito para apurar os fatos, que correm em sigilo.

De acordo com o Fantástico, um bispo representante da Santa Sé, no Vaticano, esteve em Belém para apurar as denúncias em dezembro. Ele teria ouvido os ex-seminaristas, os padres que acompanharam o caso e também teria se encontrado com o arcebispo Dom Alberto Taveira.

No sábado (2), o advogado do arcebispo falou com o Fantástico e afirmou que Dom Alberto ainda não foi ouvido pela polícia ou Ministério Público, mas está à disposição.

“Obviamente que a primeira coisa a ser dita é a negativa e o repúdio a essa denúncia. Todo católico paraense conhece a lisura, a honestidade, a honradez com que se porta Dom Alberto, que doou meio século de vida à Igreja Católica, passando já por três estados e o Distrito Federal, coordenando seminários, ordenando como padre mais de 200 seminaristas. Nós vamos provar ao final desse inquérito, que diferente do que se pensa, os denunciantes não são quatro pessoas isoladas. São um grupo de pessoas, que têm um profundo recalque, um profundo sentimento de vingança por Dom Alberto. E por que têm esse sentimento? Justamente pela grande característica da gestão de Dom Alberto, que era uma gestão austera. Pessoas foram afastadas do seminário por comportamento incompatível com a vida religiosa”, declarou o advogado do arcebispo.

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