DIREITOS HUMANOS

População de rua: conheça o novo plano nacional e saiba o que pode mudar

A ação, que tem investimento inicial de R$ 982 milhões, é uma tentativa de reestabelecer uma política nacional para redução do caos social que o Brasil vive

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Katarina Moraes

Publicado em 12/12/2023 às 12:41
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Em colaboração com a Agência Brasil

O governo federal lançou, nessa segunda-feira (11), o Plano Ruas Visíveis, com ações voltadas para a população em situação de rua que, hoje, já chega a 221 mil pessoas, segundo cadastro no CadÚnico. A ação, que tem investimento inicial de R$ 982 milhões, é uma tentativa de reestabelecer uma política nacional para redução do caos social que o Brasil vive.

Para o geógrafo, urbanista e pesquisador do Censo da População de Rua do Recife, Otávio Santos, sua efetivação precisará ser observada. “Essa ação chega para, de certa forma, instar o poder público em diversas ações para tornar essa política efetiva”, afirmou ele, que também é professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

“A gente precisa agora, diante desse plano de ações, fazer esse acompanhamento e complementação dessas ações, exigir a efetivação dos planos; que sejam construídos a nível estadual e municipal, e que a gente continue acompanhando. É assim que de fato a gente vai resolver o problema”, completou ele, em entrevista à Rádio Jornal.

Já Rafael Araújo, presidente da ONG Samaritanos, que atua no Recife, entendeu o plano como uma “respostas às demandas da militância da população de rua” ao retomar investimentos aos estados e municípios, mas a resolução do problema ainda está longe de acontecer. “R$ 1 bilhão parece muito dinheiro, mas quando dilui para estados e eixos representa o início da recomposição”, apontou.

A divulgação do programa aconteceu após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a elaboração de um plano nacional para pessoas em extrema vulnerabilidade, além de proibir, em julho, a remoção e o transporte compulsório dessa população e de seus pertences de ambientes públicos.

Isso porque, até hoje, somente 18 municípios, seis estados e o Distrito Federal aderiram à Política Nacional para as Pessoas em Situação de Rua (PNPSR), lançada em 2009.

Durante o evento de lançamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reiterou que a culpa de não cuidar dessa população é do Estado. “A gente não consegue fazer porque essa conquista que nós estamos tendo aqui hoje está ligada a uma palavra chamada democracia, está ligada a uma palavra chamada compromisso”, destacou.

O QUE O PLANO RUAS VISÍVEIS TRAZ?

Ao todo, estão contempladas 99 ações que serão desenvolvidas a partir de sete eixos: assistência social e segurança alimentar; saúde; violência institucional; cidadania, educação e cultura; habitação; trabalho e renda; e produção e gestão de dados. A articulação envolve 11 ministérios, em parceria com governos estaduais e municipais e em diálogo com os movimentos sociais e outros órgãos e instâncias representativas. Confira cada eixo:

Assistência social e segurança alimentar

O primeiro dos sete eixos prioritários do Plano Ruas Visíveis trata da assistência social e segurança alimentar e deve ter investimentos de R$ 575,7 milhões. Entre as iniciativas, está a manutenção do cofinanciamento aos estados e municípios, na forma de repasses praticados pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) aos estados e municípios para serviços específicos para pessoas em situação de rua, na forma pactuada.

Também integram as ações a ampliação e o fortalecimento de serviços de atendimento e acompanhamento à população em situação de rua; pessoas em situação de rua como prioritárias no Plano Brasil sem Fome; a implementação de Cozinhas Solidárias; o repasse de alimentos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para as cozinhas comunitárias; e a retomada das Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Saúde

No eixo da saúde, os investimentos iniciais são de R$ 304,1 milhões. Entre as iniciativas estão o aprimoramento do atendimento em saúde; a formação de cinco mil profissionais que atuam no cuidado às pessoas em situação de rua; a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População em Situação de Rua; o fortalecimento de equipes de Consultório na Rua; e a rearticulação do Comitê Técnico de Saúde da População em Situação de Rua.

Também integra o plano a orientação das maternidades e hospitais da rede de atenção materno-infantil para atendimento das pessoas em situação de rua no ciclo gravídico-puerperal com ênfase na proteção e promoção do direito de estabelecimento de vínculos gestante-bebê.

Ainda, haverá a ampliação das unidades de acolhimento para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no componente de atenção residencial de caráter transitório da Rede de Atenção Psicossocial, com formação específica dos trabalhadores para atendimento à população em situação de rua. A meta é de 52 novas unidades ao ano.

Violência institucional

Investimentos de R$ 56 milhões serão destinados ao combate à violência institucional. “A população em situação de rua é um grupo social que sofre com o preconceito e estigmatização por parte da sociedade, sendo comumente associada à desordem, criminalidade e ameaça à segurança pública”, explicou o governo, em comunicado.

Nesse sentido, o objetivo das ações nesse eixo é de estabelecer um conjunto de medidas legais e políticas públicas para coibir as diversas formas de violência institucional e garantir uma atuação humanizada do Estado junto a essa população, “historicamente excluída e violada em seus direitos”.

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Região central é a que mais concentra a população de rua no Recife - RENATO RAMOS/JC IMAGEM
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População em situação de rua no Centro do Recife - RENATO RAMOS/JC IMAGEM
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Região central é a que mais concentra a população de rua no Recife - RENATO RAMOS/JC IMAGEM

As ações propostas contemplam o fomento a Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social (CAIS); protocolo para proteção da população em situação de rua e enfrentamento à violência institucional; formação de agentes de segurança pública e justiça; formação de profissionais que atuam na Política Nacional sobre Drogas; criação de canal de denúncias no Disque 100 - Disque Direitos Humanos; guia para atendimento à população em situação de rua; campanha educativa sobre aporofobia (ódio ou aversão aos pobres), direito à cidade e direitos da população em situação de rua.

Uma estratégia interministerial de proteção a pessoas que usam drogas em territórios vulnerabilizados completa as ações.

Cidadania, educação e cultura

Nesse eixo, R$ 41,1 milhões serão destinados para políticas públicas com foco em garantia de direitos, superação das vulnerabilidades e promoção da cidadania efetiva da população em situação de rua, bem como promover o enfrentamento a toda discriminação e violação de direitos.

Estão incluídas ações no âmbito do Programa Pontos de Apoio da Rua (PAR), que abrangem locais com oferta de serviços como lavanderia, banheiros, bebedouros e bagageiros; casas de acolhimento de pessoas LGBTQIA+; Operação Inverno Acolhedor; mutirões para regularização de documentação civil e acesso a benefícios; edital de fomento a iniciativas comunitárias de promoção de cidadania, com foco em justiça racial; participação social e inclusão nas políticas públicas culturais.

Completam as ações a indução à destinação de recurso para fomento a iniciativas culturais; a disponibilização de vagas para população em situação de rua no Pacto pela Alfabetização, via educação popular; e a educação profissional para mulheres.

Habitação

“Para a população em situação de rua, a habitação não é apenas uma necessidade básica, mas também um instrumento de promoção da autonomia e de integração social. É fundamental que as políticas públicas de habitação reconheçam e atendam às especificidades da população em situação de rua, garantindo o direito à moradia como um direito humano inalienável”, afirmou o governo. Os investimentos iniciais nesse eixo são de R$ 3,7 milhões.

As ações propostas contemplam o acesso ao Programa Minha Casa, Minha Vida; a destinação de imóveis da União; e o projeto-piloto do Programa Moradia Cidadã, com disponibilização de 150 unidades habitacionais, com prioridade para famílias com crianças e mulheres gestantes.

Trabalho e renda

Nesse eixo, serão investidos R$ 1,2 milhão com o objetivo de fomentar o cooperativismo e associativismo; a realização de oficinas para incubação de empreendimentos econômicos solidários; elaboração de 15 planos de comercialização de produtos e serviços dos empreendimentos econômicos solidários constituídos com população em situação de rua; constituição de espaços e estruturas de produção e comercialização dos produtos de economia solidária; medidas para qualificação profissional; e medidas de indução para empregabilidade via setor privado.

Produção e gestão de dados

O governo destaca ainda que, historicamente, a população em situação de rua tem sido invisibilizada nas estatísticas oficiais, dificultando a elaboração de programas e ações que considerem suas especificidades. Nesse sentido, serão investidos R$ 155,9 mil em ações para subsidiar com dados e evidências a formulação e o monitoramento de programas, serviços e ações intersetoriais.

Entre as ações propostas, estão a produção e análise de dados sobre pessoas em situação de rua no Cadastro Único; o Censo Nacional da População em Situação de Rua; a produção de dados relacionados a acesso a políticas e programas sociais, bem como sobre saúde e violência; o painel de informações com dados da população em situação de rua; além do ObservaDH.

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