Astronomia

Amantes da astronomia vão ao Sertão

Observatório de Itacuruba atrai adminiradores da astronomia duas vezes por ano

Leonardo Spinelli
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Leonardo Spinelli
Publicado em 03/11/2019 às 7:15
Roberto Silva
Observatório de Itacuruba atrai adminiradores da astronomia duas vezes por ano - FOTO: Roberto Silva
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Em duas oportunidades por ano, os amantes do céu noturno se reúnem numa viagem de ônibus de quase 500 quilômetros, que sai do Recife em direção ao município de Itacuruba. Primeiro, para terem a oportunidade de conhecer o Observatório Astronômico do Sertão de Itaparica (Oasi), que abre ao público em duas ocasiões especiais – em maio e no final de outubro –, e também para fugirem da poluição luminosa da cidade grande e verem o céu mega estrelado do Sertão.

O sacrifício de mais de sete horas de estrada vale a pena. Todos ficam literalmente de boca aberta ao terem a oportunidade única de ver a faixa brilhante e difusa da Via Láctea, visão impossível de se ter na metrópole, tomada pela iluminação artificial das ruas.
“A experiência está sendo maravilhosa. Eu vi várias coisas que eu nunca tinha visto, como Saturno, Júpiter e a Galáxia de Andrômeda, além de conhecer o telescópio e tirar algumas dúvidas sobre o hardware do telescópio”, disse a professora de Ciências da Computação, Rebeca Linhares.

Em diversas partes do mundo entidades vêm tentando conscientizar sobre a importância de as sociedades melhorarem a iluminação pública para que mais gente mantenha contato com o céu noturno, patrimônio da humanidade, segundo a Unesco.

“A humanidade sempre observou o céu para interpretá-lo ou para entender as leis físicas que governam o universo. Esse interesse pela astronomia teve profundas implicações para ciência, filosofia, religião, cultura e nossa concepção geral do universo. Ainda assim, sua contemplação é cada vez mais difícil, a ponto de estar se tornando desconhecido para as novas gerações”, definiu a entidade na 33ª Conferência Geral em 2005.

A própria instalação do Oasi em Itacuruba teve como ponto fundamental a distância do pequeno município de grandes centros urbanos. “Para termos observações astronômicas precisamos de noites abertas e sem chuva, por isso o Sertão é o melhor local no Brasil para termos essas duas condições. A outra característica é que temos que ficar longe das grandes cidades por conta da poluição luminosa. Quem mora no Recife ou em Petrolina sabe que já não se observa estrela nenhuma porque a luminosidade da cidade não permite ver o céu”, explica a astrofísica do Observatório Nacional, Daniela Lazzaro.
A outra pesquisadora do Observatório Nacional responsável pelo , Terezinha Rodrigues, salienta que atualmente são poucas as regiões da Terra onde se tem um céu bom para observação astronômica.

“Por isso se fala muito nos telescópios espaciais para podermos fugir da iluminação urbana. Mas eu gosto de lembrar que poluição luminosa não se resume a isso, é aquela iluminação do seu vizinho joga em cima de você, aquele poste de luz na rua que joga a luminosidade em cima do seu quarto”, comentou. As duas são as responsáveis por abrir o observatório de Itacuruba ao público duas vezes por ano, quando vêm do Rio de Janeiro, sede do Observatório Nacional, para fazer testes de manutenção do equipamento. Mas nem mesmo a região rural de Itacuruba, onde está instalado o Oasi, está livre da poluição. A iluminação “errada” de uma avenida na cidade de Rodelas, na Bahia, do outro lado do São Francisco, já começa a atrapalhar as observações dos astrofísicos brasileiros.

Ouça o podcast O Fato é (https://radiojornal.ne10.uol.com.br/audio/podcast/o-fato-e/2019/11/03/17-o-ceu-que-nos-protege-e-ensina-16371), com um episódio especial da visita a Itacuruba.

Os podcasts da Rádio Jornal estão disponíveis no site da rádio, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas. 

VISITA

Responsável pela excursão que leva os aspirantes a astrônomos ao município de Itacuruba, o professor de Física da Universidade Federal Rural de Pernambuco Antônio Miranda explica que a visita, realizada no último dia 25 de outubro, faz parte da Semana de Popularização da Ciência no Semiárido, que percorre diversos municípios da região em Pernambuco e na Paraíba.
“Todos os anos a gente abre um site da Semana de Popularização da Ciência na nossa página do projeto de extensão da UFRPE chamada Desvendando o Céu Austral. Lá tem o nosso calendário com as atividades”, diz o professor, lembrando que no próximo dia 11 o grupo vai se reunir no campo de futebol da Rural, no início da noite, para contemplar o trânsito de Mercúrio pelo disco solar.

No último encontro em Itacuruba, o público era diverso. Além de excursão de alunos do ensino médio de escolas de Floresta, havia estudantes do Instituto Federal de Pesqueira, integrantes do clube de Vega de Astronomia e o pessoal da caravana do Recife, a maioria integrante do curso de extensão da introdução à astronomia das universidades Federal e Rural, gente de todas as idades, menores acompanhados dos pais e idosos.

Miranda ressaltou que o município de Itacuruba é conhecido pelos índices de depressão, suicídio e alcoolismo, principalmente depois que a cidade foi realocada, para que a sua antiga sede fosse inundada pela Barragem de Itaparica no final da década de 1980. “A população vivia bem e hoje vive de Bolsa Família e uma indenização da Chesf”, comentou. “É uma cidade agraciada com o observatório de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia, um empreendimento que faz pesquisa de qualidade internacional, mas infelizmente a população não usufrui”, disse.

Entre os visitantes estava o jovem Bruno Ramos Galindo, 15 anos, que já desenvolveu, a convite, atividades na Nasa, a agência espacial americana e hoje se prepara para estudar engenharia aeroespacial. “A expedição em Itacuruba foi cansativa, mas toda viagem cansativa é boa. Aprendi coisas novas, conheci o Projeto Impacton e descobri um pouco mais sobre a estrutura dos asteroides, sua composição química, rotação, translação e como os cientistas estão acompanhando seus movimentos para tentar evitar uma futura colisão com a Terra”, contou.

OBSERVATÓRIO

Durante 15 noites por mês, na fase de lua nova, o Observatório Astronômico do Sertão de Itaparica (Oasi) volta as lentes de seu telescópio para observar grandes rochas localizadas no cinturão de asteroides entre os planetas de Marte e Júpiter a cinco unidades astronômicas da Terra (uma unidade astronômica representa a distância entre o nosso planeta e o Sol).

É o projeto Impacton, iniciativa colocada em prática no Sertão em 2011 e que integra o Brasil aos programas internacionais de busca e seguimento de asteroides e cometas em risco de colisão com a Terra. Antes da iniciativa, apenas a Austrália possuía equipamentos deste tipo para vigiar o céu do hemisfério sul.

Operado remotamente do Rio de Janeiro, o equipamento já ajudou os pesquisadores brasileiros a fazer a caracterização completa (composição, órbita, rotação) de seis asteroides que têm o potencial de se aproximar do planeta. “Há a possibilidade desses corpos relativamente grandes colidirem com a Terra e poderiam causar uma catástrofe, inclusive colocando fim à humanidade. Nós achamos que conhecemos todos eles, mas não são apenas esses que são perigosos. Em 2013 caiu um bólide de 20 metros na Rússia, que explodiu a 8 quilômetros de altura e causou muito estrago”, lembra Daniela Lazzaro, astrofísica do Observatório Nacional.

Ela explica que o objetivo do observatório do Sertão não é descobrir asteroides, mas estudar os já conhecidos. Daniela diz que a caracterização desses objetos ajuda a identificar a trajetória e possíveis locais de colisão. Com isso são desenvolvidos estudos para que possam ser feitas possíveis alterações de rotas ou mesmo sua possível destruição. “Temos que conhecer o inimigo”, resume a pesquisadora Terezinha Rodrigues.

As observações feitas em Itacuruba são publicadas no Mine Planet Bulletin, da União Astronômica Internacional, o repositório de todos os dados coletados no mundo desses objetos.
A história do observatório de Itacuruba começou em 2005, quando o Observatório Nacional lançou uma chamada pública junto ao Finep para a sua construção. Um projeto de R$ 1 milhão, que ficou pronto seis anos depois com equipamentos comprados na Austrália, Rússia, Alemanha e Estados Unidos.

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