A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), com sede em Petrolina, no Sertão pernambucano, foi a primeira universidade do Estado a se posicionar contra o Future-se, programa lançado pelo Ministério da Educação que visa maior autonomia financeira das Instituições Federais (IFs) de ensino por meio de captação de recursos próprios. A Univasf alega que o programa não cita, nos termos da minuta do Projeto de Lei, garantia de um piso de financiamento para as universidades públicas e ainda representaria ameaça à autonomia constitucional universitária.
A rejeição aos termos do programa partiu do Conselho Universitário (Conuni), que aprovou a Carta de Recusa à minuta no último dia 9. Segundo o vice-reitor da Universidade, Telio Nobre, o Future-se compromete a autonomia financeira e educacional das instituições. “As definições e as consequências muitas vezes não estão claras. O que entende-se é que as universidades abririam mão do direcionamento das atividades para deixar a cargo das entidades privadas. Para nós, cabe a cada instituição definir seu modelo de governança, não ao MEC. Se aceitasse, a Univasf entraria com seu patrimônio, seu corpo de pesquisadores, estrutura de servidores e tudo o que a integra para captar recursos externos que nem sabemos como seriam geridos porque dependeriam de ente externo que teria seus próprios interesses”, explica o gestor. Outro ponto levantado foi a falta de aprofundamento no que diz respeito às responsabilidades do governo com o financeamento das IFs. “Cabe ao Estado brasileiro garantir financiamento adequado. Nesse momento, com recursos contingenciados, a gente tem que procurar novos recursos? Vai ter troca gradual e o Estado vai começar a se desobrigar? A preocupação é que seja início de um processo de afastamento do dever de financiar a educação superior federal. A gente entende como um programa de caráter muito econômico e pouco educacional”
O Future-se prevê autonomia administrativa, financeira e de gestão das universidades a partir de parcerias com organizações sociais (OS) de caráter privado que tenham atividades voltadas ao ensino, desenvolvimento tecnológico, cultura e pesquisa científica. As instituições poderão ter acesso a cerca de R$ 100 bilhões, que virão “do patrimônio da União, de fundos constitucionais, de leis de incentivos fiscais e depósitos à vista, de recursos da cultura e de fundos patrimoniais”, segundo anúncio do MEC, e seriam geridos pelas OS.
Para o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestre em Educação Paulo Rubem Santiago, as instituições federais de ensino já fazem parcerias com fundações para financiamento de pesquisa e extensão, mas sem a perda de autonomia ou abstinência da responsabilidade da União. Algumas propostas, segundo ele, já são executadas pelas universidades. “Nós estamos em um ambiente de ensino, pesquisa e extensão que funciona sob o amparo da autonomia universitária e que tem trazido resultados muito satisfatórios comparando com décadas atrás. O Future-se faz propostas que já são desenvolvidas pelas universidades. Além disso, eles não realizaram um diagnóstico atual sobre como elas estão funcionando agora, não falam da autonomia das universidades, nem da eficácia das organizações sociais e se essa opção seria de fato melhor do que a gerência das reitorias”, frisa.
Uma vez aderido, o programa, segundo Paulo Rubem, pode diminuir as chances da população de classes sociais mais baixas cursarem o ensino superior. “A universidade que nós temos, com seu fortalecimento na pesquisa e autonomia, é a única forma de todo brasileiro que não foi para a universidade conseguir ver seu filho, seu neto, seu bisneto, chegando no ensino superior. Se a realidade for a do Future-se, com domínio das organizações sociais e esse formato de contrato de gestão terceirizada e financiamento privado, as chances serão mais restritas porque a universidade pública não vai mais existir”, acrescenta. Estas questões serão tema de discussão, nesta quinta-feira (22), no Centro de Artes e Comunicação (CAC), na UFPE, a partir das 17h. O encontro conta com a presença do professor Paulo Rubem e do cantor Fred 04, um dos precursores do Movimento Mangue Beat.
Tanto a UFPE quanto a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) ainda não se posicionaram a respeito do Future-se. Ambas informaram estar em processo de discussão da minuta. Já o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), por meio de nota do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), demonstrou preocupação com os termos do programa, principalmente no que diz respeito à situação econômica atual das universidades, que ameaçam paralisar o funcionamento por falta de dinheiro após o bloqueio de 30% das verbas por parte do Governo federal. “O viés temporal é primordial, pois como podemos cogitar políticas públicas estruturantes de futuro se o nosso tempo presente está comprometido e é inseguro e incerto? Arrumemos, primeiro, nosso tempo presente, dissipemos as inseguranças e as incertezas; e, em paralelo, cuidemos do tempo futuro, com planejamento, organização e nossa ampla participação”, diz o documento.
Consulta pública
O programa está com consulta pública aberta até o dia 29 deste mês. Depois de recolhidas e analisadas todas as sugestões, o Projeto de Lei será encaminhado para votação no Congresso Nacional. Segundo levantamento feito ontem pelo MEC, a consulta ultrapassou 55 mil cadastros e 31 mil comentários em pelo menos um dos pontos da proposta.