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Para reduzir impacto socioambiental, jovens reutilizam casca de sururu

Estudantes da rede pública de ensino, de Brasília Teimosa, apresentaram os resultados da pesquisa no Equador e na Inglaterra

Maria Lígia Barros
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Maria Lígia Barros
Publicado em 25/08/2019 às 21:00
Foto: Bobby Fabisack/ JC Imagem
Estudantes da rede pública de ensino, de Brasília Teimosa, apresentaram os resultados da pesquisa no Equador e na Inglaterra - FOTO: Foto: Bobby Fabisack/ JC Imagem
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Jovens da Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) João Bezerra, em Brasília Teimosa, na Zona Sul do Recife, desenvolveram uma pesquisa que está ganhando o mundo. Após identificarem o descarte irregular de cascas de sururu como um dos causadores de impactos socioambientais negativos na comunidade – onde a principal atividade econômica é pescar e catar mariscos – os estudantes encontraram uma alternativa de reúso para os resíduos. A casca, normalmente jogada fora, virou matéria-prima para confecção de objetos decorativos, placas de ornamentação e até peças de jogos didáticos.

A solução pode ser mais uma fonte de renda para as marisqueiras, ao mesmo tempo em que diminui o acúmulo de lixo nas ruas, galerias pluviais, e na Bacia do Pina, foz do Rio Capibaribe que margeia o local. O trabalho, realizado pela escola em parceria com o Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), foi apresentado no Equador no início do ano, durante o Encontro Intercolegial e Latino-americano de Projetos Produtivos, Ciência, Tecnologia e Inovação. No mês passado, foi levado a Londres, na Inglaterra, no 61st London International Youth Science Forum. Entre as brasileiras, a escola era a única da rede pública e do Nordeste, em meio a instituições de 75 países.

Com a condução dos professores de química e geografia Jerônimo Costa e Risoneide Nunes, os alunos seguiram o rigor da metodologia científica para elaborar e concluir o estudo. Foram várias tentativas até chegar à fórmula usada nas produções, cuja patente está em andamento. “A gente ainda vai fazer outros testes para finalizar o produto. Seria o segundo projeto do ano que vem”, explica Jerônimo Costa.

Ver a pesquisa chegar tão longe era inesperado para os alunos. “A gente não pensava que ia ter essas proporções. Por ser uma escola com suas dificuldades, a gente não imaginava a possibilidade de representar o bairro e o Estado”, ressalta Lucas Vinícius de Souza, 17 anos, que embarcou para mostrar o estudo no exterior.

Exterior

Na gênese do projeto, a ideia era exibi-lo na 24ª edição do Ciência Jovem, do Espaciência. Lá, a equipe teve uma nota geral de 9,8 e foi chamada pela Rede (POC) para participar do evento no Equador. Por falta de verba, apenas um dos cinco integrantes pôde viajar. Lucas foi o sorteado para a missão e, pela boa apresentação – em espanhol, no Equador – o time foi convidado para participar do fórum britânico. Dessa vez, o adolescente detalhou a pesquisa em inglês, experiência que descreveu como desafiadora.

“Todo o trabalho duro de ter ficado aqui durante as férias, trabalhando nisso por um ano, valeu a pena. A ficha não caiu ainda, a gente nem acredita”, admite Gabriela. A principal lição é de estímulo. “A gente nunca teve investimento, os professores compraram tudo. Mostra ao Estado que com pouca coisa a gente consegue fazer muito. Mostra a outras escolas que elas também podem e devem fazer. Com valorização, a gente pode chegar longe”, reflete.

Orgulho

Os docentes também se orgulham das conquistas. “A ciência é isso. Universidade e escolas na comunidade geram isso”, destaca Risoneide. “Um trabalho de chão de escola pública mostrando que a sustentabilidade é o viés para melhoria da qualidade de vida. Se a gente não muda os hábitos, o mundo nunca vai ser o ideal”, completa. “É fantástico. É uma ideia de um grupo de Brasília Teimosa que vai ao Equador e depois a Londres”, declara Viviane Gomes, gestora da Erem.

A preocupação com a sustentabilidade e com a comunidade atraiu os jovens. “Sempre gostei de cuidar do meio ambiente, desde pequeno, de jogar lixo nos lugares corretos. Eu tinha dúvida entre cursar engenharia civil ou ambiental, mas o projeto ajudou a definir a escolha”, conta Fábio de Arruda, 17. Paulo da Silva, 16 anos, já sabe o que quer: vai fazer biologia. “Gosto de trabalhar com sustentabilidade, e vi na pesquisa uma forma de ajudar meu bairro, o meio ambiente e as marisqueiras”, declara.
A iniciativa faz parte do Educa Estuário, projeto desenvolvido há nove anos em parceria com a UFRPE voltado para a preservação do Rio Capibaribe. A próxima etapa será aperfeiçoar a composição química do material e repassar as descobertas para as marisqueiras.

Outra fonte de renda é esperada

O impacto ambiental do despejo das cascas no estuário também é uma preocupação dos marisqueiros. Isso porque o acúmulo do material no fundo do rio prejudica a reprodução da fauna e da flora na região, além de se misturar ao lixo nas margens. “A gente não pode jogar porque vai aterrar a maré”, reconhece a pescadora Solange da Silva, 52. No entanto, os trabalhadores também se queixam da falta de um local apropriado para o descarte. A pescadora conta que há um coletor de lixo, mas nele não é permitido jogar os resíduos. “Às vezes a prefeitura dá uns sacos, mas nem sempre tem”, relata.

Além de atrapalhar o ecossistema, as cascas deixadas ao chão machucam os trabalhadores. “Isso aí fura a gente. Corta. É que nem lâmpada quebrada. A gente leva muito corte no sururu, marisco, ostra”, diz.

Por isso, a perspectiva do projeto é positiva para Solange. O aproveitamento dos quilos de cascas hoje descartados fariam diferença em sua renda. “É tão pouco o que a gente ganha hoje. Se a gente tivesse como vender isso aí, ganhava da casca e não sujava o rio”, revela.

Para a diretora da Associação de Pescadores de Brasília Teimosa, Sandra Lima, a proposta é interessante. “Acima de tudo eles (os alunos) estão se preocupando com o meio ambiente. É uma forma de tirar essas cascas que a gente não tem onde descartar e que acabam degradando o rio. Ainda seria outra fonte de renda. Ela iria ganhar dos dois lados, do produto que cata, e da casca. Isso agrega valor”, defende.

A Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) confirmou em nota que não possui serviço de coleta regular para as cascas de mariscos e sururus, pois, segundo a autarquia, o acesso ao local não é fácil. “Algumas intervenções de limpeza foram realizadas quando foram demandadas, porém, o compromisso assumido por parte dos pescadores e catadores, em realizar uma destinação adequada até um local para a coleta, não foi cumprido. Além disso, alguns pescadores e catadores são contrários à retirada do material, que é usado como aterro para fazer de local de trabalho”, diz o texto.

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