ITAMARACÁ

Comunidade terapêutica ameaçada de fechamento

Liminar determina que casa de recuperação na ilha seja lacrada. Direção alega que ação tem motivação política

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 09/04/2014 às 6:15
Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem
Liminar determina que casa de recuperação na ilha seja lacrada. Direção alega que ação tem motivação política - FOTO: Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem
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Uma comunidade terapêutica que já tratou cerca de 500 usuários de crack e acolhe atualmente 44 dependentes químicos, instalada no Alto do Pôr do Sol, no Forte Orange, em Itamaracá, pode ter que fechar as portas. A prefeitura, autora de um pedido de liminar na Justiça, alega que a instituição não tem licença da Vigilância Sanitária para funcionar e que representa perigo para a população. Já o presidente da casa de recuperação Canaã, Marcos Araújo, se diz vítima de perseguição, pelo fato de o local ser vizinho à chácara de um advogado influente na região e a um estabelecimento comercial de propriedade do irmão do prefeito Paulo Batista.

Na última sexta-feira (4), o juiz do município, José Romero Maciel de Aquino, atendeu ao pedido de liminar que solicita o fechamento e o lacre do espaço em cinco dias, sob alegação de que causa “riscos à segurança da população e dos veranistas”. No documento, o magistrado se refere às pessoas em tratamento como “drogadas”, que “andam em grupos de 10 ou mais (como se fosse um arrastão), praticam furtos e invadem estabelecimentos comerciais e propriedades”. Aquino escreve, ainda, que “os drogados circulam pela ilha pedindo dinheiro ou alimentos”. O prazo vence nesta quarta-feira (9). Os advogados da Canaã estão tentando recorrer da decisão.

Ex-viciado em crack, Araújo afirma que a comunidade terapêutica que preside funciona há cinco anos, tem um índice de recuperação de 60% e sobrevive graças às doações e à venda de artesanatos e produtos feitos pelos pacientes. Segundo ele, a tentativa de fechar a casa de recuperação tem motivações pessoais. “Essa é uma área nobre, com chácaras de pessoas poderosas, incluindo um advogado influente. É uma questão de especulação imobiliária, porque a presença da Canaã, para eles, desvaloriza a área, porque outras pessoas não querem comprar os terrenos quando descobrem que aqui é uma comunidade terapêutica. Aí querem que esses jovens abandonem seu tratamento para eles poderem ficar mais ricos”, desabafa.

A liminar havia sido expedida em novembro de 2013, quando foi derrubada pelo desembargador plantonista José Antônio Fonseca de Sena. Na ocasião, oficial de Justiça esteve no terreno de dois hectares acompanhado de PMs para expulsar funcionários e pacientes. O dirigente da instituição pontua que a promotora Rejane Strieder, que sempre defendeu o trabalho da Canaã, tirou licença para fazer mestrado. “Eles se aproveitaram da ausência dela”, acredita. “O juiz disse na liminar que não tenho cadastro mercantil, mas eu sou ONG, não sou empresa”, enfatizou, exibindo a ata e o estatuto da organização não governamental.

Marcos Araújo também tem documentos mostrando que recebe usuários de crack encaminhados pelos governo federal e estadual e Ministério Público. O prefeito anterior de Itamaracá, Rubem Catunda, tornou a Canaã entidade de utilidade pública em 2011, que tem atestado de regularidade dos bombeiros.

O tratamento dura nove meses. Os pacientes não são submetidos ao uso de substâncias químicas. As sessões contam com psicólogos e psiquiatras, além do cunho evangélico do espaço. São ofertadas atividades como agricultura, pecuária, esporte e lazer. “Perdi casa, esposa, filho, tudo. Aqui estou reconquistando minha vida. A gente precisa disso. Se fecharem a Canaã, vamos acabar voltando para a rua e para o crack”, ponderou um jovem de 28 anos, há seis meses sendo tratado.

RESPOSTA - O procurador-geral de Itamaracá, Luiz Farias, negou motivação política na ação que pede o fechamento da casa de recuperação Canaã. Segundo ele, a comunidade terapêutica não cumpre o previsto na Resolução 29 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que dispõe sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento dessas instituições. A liminar, acrescentou, responde a um clamor da população.

“A Canaã atua sem o cumprimento de determinadas normas. Esse motivo que eles alegam não existe. A gente jamais faria perseguição. Nossos argumentos têm base jurídica. Temos mais de 30 queixas contra eles, que costumam andar de galera, afrontando as pessoas”, afirmou. Questionado sobre as razões do pedido de fechamento, respondeu: “Perigo iminente para a comunidade e falta de licença da Vigilância Sanitária”. Farias citou que um ex-paciente da Canaã é acusado de estupro. O crime teria ocorrido três meses após ele deixar o local.

A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) não localizou o juiz José Romero Maciel de Aquino, mas informou que apurará a questão. Já o advogado Ricardo Cabral, apontado por Marcos Araújo como uma das pessoas contrárias à presença da comunidade terapêutica, se diz vítima no processo. “Tenho uma ação movida contra o diretor de lá (da comunidade) por ameaça. Eles não contribuem em nada para o município.”

O gerente-geral da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), Jaime Brito, disse que vistoria em abril de 2012 verificou “alguns problemas que necessitavam de pequenos ajustes”. “Não havia motivo para interdição”, ressaltou.

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