Quem anda pelas ruas do Recife e gosta de observar a arquitetura das edificações já deve ter notado fachadas bem enfeitadas em imóveis residenciais, prédios públicos e estabelecimentos comerciais. São flores e laços barrocos decorando paredes, colunas clássicas e janelas pontudas góticas dividindo o mesmo espaço.
Essa mistura de estilos do passado, batizada arquitetura eclética, surgiu na segunda metade do século 19 e na capital pernambucana fez seu ninho no Bairro do Recife. Mais exatamente no trecho reformado na primeira década do século 20, que compreende as Avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda, onde se vê o Edifício Chantecler e os prédios da Associação Comercial de Pernambuco e do antigo Santander Cultural.
“O Bairro do Recife é o único lugar do Brasil onde você tem uma visão integrada do ecletismo, com aquela dimensão”, afirma o arquiteto José Luiz Mota Menezes, presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. A arquitetura eclética, diz ele, nasce da luta entre a razão iluminista e a emoção romântica no movimento artístico.
O resultado da batalha foi uma maior liberdade para os arquitetos, observa a professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Guilah Naslavsky. A liberdade casou com a facilidade de se conseguir novos materiais de construção, como o estuque, produzidos em massa pela indústria, acrescenta a pesquisadora.
Com um pé na linha da razão, mas comandados pela emoção típica do romantismo do século 19, arquitetos e mestres de obra deixaram para o Recife imóveis como o Chantecler, neobarroco em seus ornatos floridos, laçarotes e medalhões e neoclássico nas colunas e portais, ensina José Luiz. O nome do edifício é assim mesmo, sem a grafia francesa chanteclair.
PALACETE
Fernando Diniz, professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPE, aponta como herança desse período o palacete inglês da Avenida Rui Barbosa, no bairro das Graças, defronte ao Colégio Damas. “É bem eclético, com arcos góticos, balcão românico e fachada central com um torreão que lembra os castelos medievais”, destaca o professor.
O sobrado do século 19 onde viveu Augusto Frederico de Oliveira, filho do Barão de Beberibe, e onde funciona o Museu do Estado – esquina da Rui Barbosa com a Rua Amélia – apresenta seu lado eclético nas janelas góticas da casa original, nas colunas românicas clássicas e nas musas gregas que decoram a varanda, declara José Luiz.
Ao lado de prédios que já nasceram ecléticos, como a Estação Central, o Gabinete Português de Leitura e o Diário de Pernambuco, todos no Centro, muitos outros tiveram as fachadas revestidas como aconteceu na Rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife, comenta Fernando Diniz. E com o Palácio do Campo das Princesas, em Santo Antônio, emenda José Luiz.
É desse hábito de recobrir as fachadas que se origina a expressão “arquitetura de confeiteiros”, diz ele. “O ecletismo foi desprezado e muito criticado pelos modernistas, só nos anos 70 passa ser valorizado”, informa Guilah Naslavsky, lembrando que vem desse período o maior conforto nas construções, o uso do ladrilho hidráulico no piso e as tubulações de ferro.
“Os produtos industrializados tornaram acessíveis as fantasias da pessoas ao baratear o custo da obra, por isso o estilo se popularizou”, diz a professora. No Recife, o ecletismo é mais acentuado de 1890 até 1930. “Está ligado às transformações das cidades, ao crescimento da população urbana nos grandes centros”, diz.