A ideia pode soar estranha, mas cemitério também é lugar de passeio. Em especial os mais antigos, onde é possível conhecer um pouco da nossa história, apreciar a arquitetura curiosa dos túmulos e, de quebra, visitar os famosos que estão morando lá. O Cemitério de Santo Amaro, na área central do Recife, pode ser um ponto de partida. Não precisa ter medo. Como diz o provérbio popular, mortos não fazem mal a ninguém.
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Inaugurado em 1º de março de 1851, o Cemitério de Santo Amaro é o retrato da sociedade pernambucana do século 19. Repare na suntuosidade dos jazigos de comendadores e barões. Comerciantes ricos em vida, a vaidade não deixaria que fossem sepultados em lápides comuns. “Os túmulos, de mármore, eram comprados na Itália e vinham desmontados em navio, assim como as estátuas decorativas”, diz o arquiteto e pesquisador José Luiz Mota Menezes.
Só há um jeito de descobrir o cemitério. Vá se embrenhando entre as sepulturas. Você vai encontrar figuras de anjos e esculturas femininas de olhar piedoso velando pelos mortos. O túmulo do abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910) não passa despercebido. Enorme, todo de mármore de Carrara, representa a libertação dos escravos, numa obra de arte assinada pelo italiano Giovanni Nicolini.
Caminhando sem hora marcada, você verá detalhes que escapam aos olhos apressados, como as patinhas de leões que seguram urnas decorativas sobre tumbas. Aliás, leão, o símbolo da força, aparece esculpido, em volta e em cima das sepulturas. Na sepultura do ex-governador Manoel Borba (1864-1928) colocaram não só o felino, mas uma frase emblemática: Pernambuco não se deixa humilhar.
Lembre-se de que a arquitetura dos mortos também inclui as frases escritas nas lápides. Leia. Muitas estão apagadas, o que é uma pena, mas fazendo um esforço é possível decifrar. No túmulo da portuguesa Maria Leopoldina de Queiroz (1816-1856) há um pedido, feito de forma tão dolorida, que é impossível negar. O texto começa assim: “A cinzas aqui reduzida, está minha mãe querida.” E continua com a súplica: “O mesmo filho pede pelo amor de Deus a quem este ler um P.N (Pai Nosso) e uma A. M. (Ave Maria) para esta alma.”
Um pai que enterrou a filha de 11 anos, em 1902, recorreu ao poeta Gonçalves Dias para lamentar a perda e transcreveu: Morreste! Como aurora sem poente, como flor que perfume inda exalava, como o sopro da brisa recendente, como a onda que apenas se formava!
Curioso também é o túmulo dos quatro bustos (um sumiu), feito de mármore, representando quatro irmãos. O homem, de semblante contrito, com as mãos cruzadas no peito. As mulheres, de cabelos cobertos por véu, choram segurando lenços.
Santo Amaro, localizado na Rua do Pombal, é o maior cemitério público do Recife. Foi desenhado pelo engenheiro francês Louis-Léger Vauthier (1815-1901) e executado pelo engenheiro pernambucano Mamede Ferreira (1820-1865). “É um projeto francês dimensionado para o lugar”, explica José Luiz. O zoneamento, diz ele, une barões e plebeus nas mesmas quadras.
Os túmulos conjugados, para os mortos de famílias menos abastadas, parecem vilas de casas simples. No passado, todos seguiam um padrão, com acabamento triangular na parte de cima e uma cruz desenhada. Muitos estão reformados, mas o conceito permanece.
O Cemitério do Senhor Bom Jesus da Redenção – Santo Amaro para os íntimos – ocupa uma área de 145 mil metros quadrados de área, com 20.520 túmulos e 9.008 ossuários. Por mês, recebe 18 mil visitantes. A igreja gótica, no meio do terreno, foi criada por Mamede Ferreira. Aproveite que segunda-feira (2) é Dia de Finados e organize o passeio. Pode ser feito até à noite. O portão fica aberto e a segurança foi reforçada com mais iluminação e câmeras de monitoramento.