A requalificação do Canal do Arruda, na Zona Norte do Recife, é mais um projeto iniciado pela atual gestão municipal prestes a virar lenda. Mais de dois anos depois de licitado, nada mudou para os cerca de 80 mil moradores de dez bairros que seriam beneficiados com a obra. A limpeza e dragagem realizadas inicialmente já deram lugar a todo tipo de lixo e mato. Aliás, lixo é o que mais se vê ao longo de toda a margem onde deveriam estar implantadas cinco áreas de lazer e esporte, ciclovia, pista de cooper, quiosques e calçadas.
Iniciado em julho de 2014, o projeto previu intervenção nos 3,8 quilômetros entre a Avenida Norte e o Rio Beberibe, ao custo de R$ 83,1 milhões. O serviço foi dividido em duas partes. A primeira (de R$ 29 milhões) compreendia o trecho de 2,7 quilômetros entre a Avenida Norte e a Rua Petronila Botelho, onde o canal já era revestido. Mas foi paralisada menos de três meses depois. Na área, atualmente, há partes do revestimento quebrado, mato por toda a margem, muita metralha e sujeira. “Desde que começou essa crise no PT pararam tudo, a gente fica sem acreditar que vão terminar um dia”, observa o porteiro Héricles Pereira, 53 anos, morador da região.
No trecho da segunda etapa (1,2 quilômetro da Rua Petronila Botelho até o Rio Beberibe, orçada em R$ 54 milhões), o cenário é ainda mais caótico. Canal repleto de entulho e vegetação. Margens ainda servindo como depósito de lixo, como restos de construção, madeiras e carcaça de geladeira, além de estacionamento de carros e carroças.
Animais são criados dentro de tubos de concreto que deveriam estar enterrados para melhorar a qualidade de vida da população. Uma praça, parcialmente construída, está completamente deteriorada. Até fezes a reportagem encontrou no escorrego onde as crianças não brincam. Muitas correram até a equipe do JC para apontar brinquedos e bancos quebrados, reivindicar um balanço e criticar a “nojeira” que toma conta do local.
Durante dois dias, o JC tentou uma entrevista com algum gestor da Empresa de Urbanização do Recife (URB), responsável pela execução do projeto, mas o órgão preferiu se pronunciar por meio de nota. Limitou-se a dizer que “devido ao cenário de crise que o país enfrenta e à redução do repasse de recursos, as obras estão temporariamente paralisadas”, desde setembro passado. E afirma que a prefeitura busca recursos para concluir o serviço. Se essa verba estava disponível quando a ordem de serviço foi dada, a URB não respondeu.
Sonhos não realizados
As promessas em torno do Canal do Arruda não se limitaram a concreto. Também vieram em forma de sonhos de mudança de vida para as famílias de três garotos flagrados pelo JC (em novembro de 2013) mergulhados em meio ao lixo do canal, catando recicláveis para vender. Um drama que correu o mundo e trouxe anúncio de uma série de benefícios, como inclusão no Bolsa Família e no aluguel social ou nova moradia. Sonhos que, como o concreto, não se realizaram.
“Não tenho mais esperança, não. Vou morrer sem ver minha casa. Não chegou Bolsa Família, nem Bolsa Escola, nada”, desaba a catadora Maria Betânia Felix de Oliveira, 36, mãe de Tauã Manoel da Silva Alves, 12 e Geivson Félix de Oliveira, 14, e tia de Paulo Henrique Félix da Silveira, 11, que, segundo ela, não mergulham mais no canal.
O marido, o biscateiro Manoel Francisco Alves, 39, diz que ainda espera, mas demonstra revolta. “A prefeitura disse que ia construir uma casa ou nos levar para outro lugar, mas nada aconteceu. E a gente vê meio mundo de dinheiro estragado nessa obra”. Ao todo, o casal tem nove filhos. Na época, chegaram muitas doações de roupas, brinquedos e alimentos. De resto, nada mudou. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Recife não se pronunciou até as 20h desta quarta.