Da Igreja do Bom Jesus dos Martírios, demolida em 1973 para a abertura da Avenida Dantas Barreto, no bairro de São José, Centro do Recife, restaram fotografias, um sino, três portas da fachada, alguns objetos sacros e uma tela pintada com a imagem do padroeiro. A pintura padece com avarias e o Museu da Cidade do Recife, guardião do quadro, espera contar com a ajuda da população para restaurar a relíquia.
A campanha em prol da tela da Igreja dos Martírios está lançada e a meta é arrecadar R$ 25 mil – valor do orçamento – com a contribuição de visitantes da mostra Doc(e) Recife, em cartaz no museu até março de 2017. Nesse período, uma urna ficará ao lado do quadro, exposto pela primeira vez ao público desde que foi tirado da nave principal da igreja, para receber as doações.
Com 2,60 metros de altura por 1,62 metro de largura, a tela faz parte do acervo da instituição desde 1982, quando o Museu da Cidade do Recife foi inaugurado, no Forte das Cinco Pontas, no bairro de São José. A pintura, provavelmente do século 18, está amassada e rasgada. “Ela chegou ao museu nove anos depois de ter sido retirada da igreja, toda dobrada”, observa a diretora do espaço cultural, Betânia Corrêa de Araújo.
Além da imagem do Senhor Bom Jesus dos Martírios, o autor (desconhecido) desenhou na tela símbolos da Paixão de Cristo, como o galo (marcava as horas), os cravos que prenderam as mãos e os pés de Jesus na cruz, a coroa de espinhos e dados. “Está escrito no Novo Testamento que soldados romanos sortearam no jogo de dados quem ficaria com as roupas de Cristo”, explica o pesquisador do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano Reinaldo Carneiro Leão.
“É uma pintura ingênua, sem profundidade, mas muito significativa para o Recife”, declara Betânia Araújo. A Igreja dos Martírios era tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e teve de ser retirada da lista de bens preservados pela União, para ser derrubada, a pedido do ex-prefeito Augusto Lucena (1916-1995).
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Para implantar a Avenida Dantas Barreto, nas décadas de 60 e 70 do século 20, Augusto Lucena destruiu mais de 400 casas e 11 ruas no trecho do Pátio do Carmo até a Praça Sérgio Loreto. A igreja, com fachada no estilo rococó, ficava na Rua Augusta, que desapareceu na reforma. “Nunca entrei nela, mas passava na frente cortando caminho para ir ao Centro”, comenta Reinaldo Carneiro Leão.
Moradora da Rua do Dique, no bairro de São José, há 48 anos, Elzanira Matos viu a Igreja dos Martírios sendo derrubada. “Eu fiquei na esquina da rua olhando. A caçamba encostou e o prédio foi caindo no chão. Acabaram com tudo. E para que? Para depois botar um camelódromo no lugar da igreja. Isso não devia ter acontecido. Gostava do bairro de antigamente, não desse de agora”, declara Elzanira.
Na exposição, o público poderá contemplar o sino da igreja (aliás, olhar só não, também é permitido tocar) e o livro da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, com os registros de doações feitas à entidade de 1879 a 1971. A irmandade, criada em 1773 por homens negros e crioulos, construiu a igreja num intervalo de cinco anos, de 1791 a 1796, no século 18.
Os visitantes da mostra também são convidados a responder uma pergunta: Como você imagina o Recife em 2037? A resposta deve ser compartilhada nas rede sociais com a hashtag #DoceRecife2037 ou envida para o e-mail museucidaderecife@gmail.com. Os posts serão incluídos no catálogo da exposição. A data é simbólica, pois em 2037 a capital pernambucana completará 500 anos de fundação.
O Museu da Cidade do Recife abre de terça-feira a domingo, das 9h às 17h. Entrada gratuita, com lojinha para venda de postais, livros e outros artigos.