Aos 7 anos de idade, Adriana Marcionila da Silva começou a pescar. Não por brincadeira de criança. Mas para ajudar no sustento da casa depois que o pai dela abandonou a família na Ilha de Deus, localizada na Imbiribeira, bairro da Zona Sul do Recife. Pescadora até hoje, Adriana Marcionila, 34, terá sua história retratada no documentário Entremarés, primeira produção da cineasta pernambucana Anna Andrade, 34.
Filmado no período de 10 de outubro a 9 de novembro último, Entremarés é um documentário sobre as mulheres da Ilha de Deus que atuam na pesca, catando sururu ou entrando na maré em busca do molusco. O roteiro é conduzido a partir do relato de três irmãs – Adriana, Alexandra e Rita de Cássia – e o depoimento de uma quarta personagem, Nalvinha da Ilha, presidente da ONG Saber Viver e filha de uma das primeiras pescadoras da comunidade.
“Quase 90% das mulheres da Ilha de Deus vivem do sururu, a maioria na catação e algumas na pesca”, observa Anna Andrade, moradora da Imbiribeira e frequentadora do lugar, onde tem amigos, desde a adolescência. “Minha intenção é mostrar a relação dessas mulheres com a ilha; com a pesca; que é um trabalho exercido mais por homens; com a cidade e com a família, dando ao roteiro um olhar mais feminino”, declara Anna Andrade.
A cineasta entrou na ilha em busca de uma proprietária de viveiro de camarão (atividade considerada tipicamente masculina) e achou as três irmãs envolvidas na atividade pesqueira: Adriana, que mergulha para pegar sururu. Alexandra, a dona de um viveiro. Rita, a catadora de sururu. “Enquanto o homem dono de viveiro mantém um relação mais hierárquica com as pessoas subordinadas a ele, Alexandra tem uma relação de parceria”, avalia.
A escolha da Ilha de Deus como locação para o documentário Entremarés, diz Anna Andrade, não foi aleatória. “Moro no bairro desde que nasci e não poderia fazer meu primeiro filme em qualquer canto, a ilha sempre é apontada como uma comunidade violenta e as pessoas acabam formando uma opinião errada sobre esse espaço. Espero, com o documentário, quebrar esse estereótipo. Aqui é um lugar de gente trabalhadora”, destaca a cineasta.
SOBREVIVER
“Sempre morei na Ilha de Deus e trabalho desde que meu pai foi embora, deixando a minha mãe com cinco filhas pequenas”, diz Adriana Marcionila. Com ela, também assumiram o ofício as irmãs Alexandra e Cristiana (hoje vende bebidas em casa). “Eram as três que sabiam nadar. A gente tinha que se virar para sobreviver. Não tive estudo e por isso não me vejo em outra atividade”, diz Adriana Marcionila, casada com um pescador.
A rotina de Adriana segue o ritmo da maré. Se a maré estiver seca às 3h, ela está a postos de madrugada para pegar sururu. “Também pesco de rede, mas o peixe a gente nunca sabe se vai trazer na volta para casa. O sururu é garantido”, afirma. A venda do molusco garante R$ 400 por semana à família, já descontando o dinheiro pago às catadoras, mulheres que limpam o molusco já pescado para tirar as cascas.
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Assim como aprendeu a nadar sozinha, Adriana não teve professor para ensiná-la a pescar de rede. “Fui olhando os pescadores e aprendi, não é preciso força para puxar a rende e, sim, jeito”, informa, acrescentando que gosta do trabalho que exerce. “Meu documentário, com roteiro aprovado pelo Funcultura (Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura) ano passado (2016), traz esse olhar sobre a força das mulheres na ilha”, diz Anna Andrade.
O filme, conduzido por uma equipe pequena, terá 17 minutos e ficará pronto em março de 2018, com a primeira exibição na Ilha de Deus. “Depois, pretendo distribuir para bibliotecas, escolas públicas e cineclubes, além de levar para circuitos de festivais.” Entremarés, explica Anna Andrade, é como se chama a área exposta na maré baixa e submersa na maré alta. Organismos que vivem entremarés suportam condições extremas de vida.