Arqueologia

Ossadas de cemitério do período colonial de Abreu e Lima podem ser de africanos

O cemitério do período colonial, no Grande Recife, foi encontrado pela arqueóloga Cláudia Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 02/01/2019 às 10:03
Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Esqueletos resgatados no cemitério do período colonial descoberto em agosto de 2018 nas terras do antigo Engenho Jaguaribe, em Abreu e Lima, município do Grande Recife, possivelmente são de origem africana. Um dente em formato de ferradura, o crânio alongado para trás, o queixo retraído e o nariz largo são fortes indícios da ancestralidade biogeográfica, de acordo com o arqueólogo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Sérgio Monteiro.

O cemitério do período colonial foi localizado numa área de 16 metros quadrados próxima das ruínas da capela do engenho, dedicada a Santo Antônio. Junto das ossadas os pesquisadores encontraram pequenas contas que, de acordo com representantes de comunidades de matriz africana consultados por Sérgio Monteiro, estariam vinculadas a Omolu, Exu ou outros orixás. A provável ancestralidade africana não significa, necessariamente, que seriam escravos. “Poderiam ser africanos libertos”, pondera o arquiteto.

Três sepultamentos completos e vários ossos isolados exumados do cemitério passam por análises no Laboratório de Arqueologia Biológica e Forense (Labifor-UFPE), coordenado por Sérgio Monteiro. “Os estudos confirmarão a origem, o perfil biológico, se é homem ou mulher, a idade, alterações nos dentes, traumas de lesões antes da morte e se tinham doenças”, declara o arqueólogo. Ele pretende enviar amostras dos materiais para laboratórios internacionais e espera ter os primeiros resultados das pesquisas até o fim de 2019.

Um dos esqueletos completos era de uma criança, possivelmente uma menina, de três a cinco anos de idade. Outro tem características de uma pessoa jovem, abaixo dos 19 anos, com cerca de 1,70 metro de altura e braços fortes. “As vértebras com ranhuras de desenvolvimento e a cabeça da ulna e do rádio (ossos do antebraço) demonstram que era alguém em processo de crescimento”, declara Sérgio Monteiro. O terceiro esqueleto inteiro teve a idade estimada em 45 ou 50 anos.

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Arqueólogos da UFPE descobrem cemitério do período colonial em Abreu e Lima, no Grande Recife - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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O cemitério do período colonial em Abreu e Lima fica nas terras do antigo Engenho Jaguaribe - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Os sepultamentos humanos em Abreu e Lima ficam próximos à capela do engenho, construído em 1540 - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Esqueletos de cemitério do período colonial em Abreu e Lima serão examinados em laboratório na UFPE - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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O Engenho Jaguaribe, onde arqueólogos acharam os esqueletos, fica na Zona Rural de Abreu e Lima - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Arqueólogos da UFPE escavaram o Engenho Jaguaribe, em Abreu e Lima, de julho a agosto de 2018 - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Estrutura de pedra calcária no Engenho Jaguaribe pode ser vestígios da antiga fábrica de açúcar - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Telha característica do século 16, contemporânea da construção do Engenho Jaguaribe, em Abreu e Lima - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Engenho Jaguaribe faz parte dos primeiros núcleos de povoamento de Pernambuco no século 16 - Foto: Filipe Jordão/JC Imagem

 

No cemitério do período colonial ainda permanecem mais dois esqueletos completos, enterrados com as pernas flexionadas. “Nenhum dos sepultamentos descobertos têm características de ritual cristão, mas precisamos ampliar a pesquisa para fazer afirmações”, ressalta o arqueólogo. Ele disse que o dente em forma de ferradura é típico de povos africanos. “É um incisivo, limado no meio para formar duas pontas, pode ser símbolo de poder, de identidade étnica”, comenta.

O Labifor já entrou em contato com o laboratório de arqueologia forense da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde há ossadas de origem africana, para troca de experiências. “No material resgatado no Rio encontraram dentes limados para formar ponta ou arco único, nenhum como ferradura igual a este. Sabemos de registro nesse formato na Ilha (britânica) de Santa Helena e pertencia a um escravo”, diz o arqueólogo.

Sesmaria

O Engenho Jaguaribe, onde o grupo coordenado pela arqueóloga da UFPE Cláudia Oliveira localizou o cemitério do período colonial, é um dos primeiros construídos no Litoral Norte para produção de açúcar de cana. A datação dos esqueletos será concluída, mas ela informa que os sepultamentos, possivelmente, tiveram início no século 16 e se estenderam até o século 19.

O engenho fazia parte da Sesmaria Jaguaribe, fundada em 1540 e que hoje corresponde aos municípios de Abreu e Lima, Paulista e Igarassu (Grande Recife). Claudia realiza pesquisas na região desde 2001 e lançou, em 2005. “Localizamos, nesse período, vários sítios arqueológicos, como as ruínas da Igreja de São Bento, os engenhos Maranguape, Inhamã e Jaguaribe, além de aldeias indígenas nas partes mais altas de morros em Abreu e Lima e Igarassu. No Engenho Jaguaribe descobrimos vestígios importantes, como a capela, a fábrica onde se processava a produção do açúcar, a casa-grande e o cemitério do período colonial”, declara.

Mais de quatro mil peças e fragmentos recuperados – telhas e tijolos manuais, louça, faiança (louça esmaltada) e metal – passam por análise no Laboratório de Estudos Arqueológicos. “Podemos descobrir a origem dos materiais, valor de comercialização, usos, técnicas construtivas, modos de vida, população que vivia no entorno e relacionar as peças com proprietários”.

Com o Programa de Preservação Ecológica e Cultural da Sesmaria Jaguaribe ela espera chamar a importância para a necessidade de preservação da área e reconstituir as características arquitetônicas do Engenho Jaguaribe do século 16. “Trata-se de um espaço de memória, é um lugar especial porque nele ainda podemos resgatar muitas informações desse período, que é o início da nossa história de colonização”, salienta.

Por essas razões, diz ela, é fundamental a pesquisa arqueológica antes de novas ocupações no local. “Não somos contra a expansão urbana, mas é preciso definir o que deve ou não ser preservado.” A professora espera executar mais uma etapa da pesquisa em 2019, se conseguir novo financiamento.

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