Os esqueletos humanos encontrados no cemitério histórico do Pilar, no Bairro do Recife, possivelmente eram de soldados da Companhia das Índias Ocidentais, empresa que financiou a ocupação holandesa no Nordeste brasileiro de 1630 a 1654. Europeus, jovens e do sexo masculino, a maioria morreu de doença e não em decorrência de ferimentos de guerra.
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De 28 sepultamentos analisados, 19 apresentam sinais de escorbuto, como retração alveolar (ossos dos dentes), abscesso e perda de dentição. A enfermidade é provocada pela carência de vitamina C. “Em menor escala, constatamos indícios de doenças infecciosas como bouba, sífilis venérea e varíola”, informa a arqueóloga Ilana Elisa Chaves.
Ela pesquisou os esqueletos no curso de mestrado e defendeu a dissertação Arqueologia da doença no cemitério histórico do Pilar, em setembro de 2015, no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Fiz o levantamento das doenças no período holandês e das condições de vida das pessoas nessa época”, diz Ilana.
Entre as 22 moléstias listadas, escorbuto, bouba, varíola e sífilis venérea, em estágios avançados, poderiam ser confirmadas nas ossadas, explica a pesquisadora, que fez uso da bioarqueologia e da paleopatologia para caracterizar as enfermidades. A avaliação morfológica do crânio e da região pélvica confirmou o sexo masculino de 27 esqueletos.
Um deles, talvez pela pouca idade, apresentou resultado ambíguo. “Era o mais jovem, com idade estimada em 15 anos ou menos”, informa. Observando o grau de fusão dos ossos dos braços e das pernas, ela chegou à conclusão de que quase todos teriam de 15 a 21 anos. Só dois tiveram a idade avaliada de 14 a 25 anos.
Sem dúvida, declara a arqueóloga, é um cemitério de europeus, de nacionalidades diversas. Ela descarta a hipótese sugerida inicialmente de ser um cemitério exclusivamente judaico. “O exército da Companhia das Índias Ocidentais era formado por alemães, holandeses, franceses, italianos, belgas e judeus da Península Ibérica e do Norte da Europa”, justifica.
Ilana lembra, ainda, que o antigo Forte de São Jorge (ficaria nas imediações da Igreja do Pilar) foi usado como hospital de referência da companhia para receber soldados feridos na guerra contra os luso-brasileiros ou que chegavam doentes ao Recife vindo dos Países Baixos, em viagens de navio. “Também eram atendidos soldados de outros lugares ocupados pelos holandeses, como Alagoas, Sergipe e Bahia”, acrescenta.
Arqueólogos da Fundação Seridó, contratados pela Prefeitura do Recife, localizaram as ossadas em janeiro de 2013, quando faziam o acompanhamento da obra de urbanização da comunidade do Pilar. A pesquisa foi suspensa em abril de 2014, com a identificação de 65 esqueletos. Vinte e oito foram exumados (14 estão na UFPE e 14 na Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí) e 37 continuam no cemitério.
Não há previsão de retorno das escavações no Pilar. A prefeitura está fazendo licitação para escolha da empresa que vai dar continuidade ao estudo. “O achado é importante demais para a cidade e a área do cemitério pode ser maior. Novos esqueletos deverão surgir”, diz Ilana.