CARNAVAL 2019

Sem recursos, só o amor salva as escolas de samba do Recife

Agremiações reclamam do baixo investimento do poder público para o samba

Margarida Azevedo
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Margarida Azevedo
Publicado em 14/01/2019 às 7:00
Foto: Léo Motta/JC Imagem
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Ele vendeu a casa em que morava com a família, em Casa Amarela, Zona Norte do Recife, e imediatamente gastou os R$ 40 mil que recebeu em tecidos, adereços e outros itens para concluir o desfile. Outra vez, não hesitou em repassar seu Fusca e assim garantir o dinheiro para a escola se apresentar no Carnaval. Presidente da Escola de Samba Unidos do Escailabe, Edilson Rodrigues, 65 anos, mais conhecido como Gugu do Tamborim, retrata o universo de quem vive o samba na veia. Paixão é o combustível que os move. Porque se as escolas fossem depender só do apoio do poder público não haveria sambista na Avenida Dantas Barreto, no Centro da capital pernambucana, na Segunda-feira do Reinado de Momo.

Gugu se emociona ao contar que os instrumentos da bateria da Unidos de Escailabe ficarão guardados no Carnaval deste ano. Primeira colocada do Grupo 1 em 2018, a escola de Casa Amarela estaria este ano no Grupo Especial. Mas não há verba. “Se o frevo está se acabando, que tem tanta visibilidade, imagine o samba. A subvenção que a prefeitura paga (R$ 16.600, divididos em duas parcelas) não dá pra vestir nem a bateria. Além do valor baixo, nossa dificuldade este ano foi a saída de uma das pessoas da diretoria. Ela prometeu bancar o desfile. Faltando três meses para o Carnaval, desistiu”, lamenta Gugu. “Quando a pessoa gosta é uma tristeza. Vendi caro, casa, ainda hoje estou na mão de três agiotas. Pago juros todos mês, tudo em nome do samba.”

Dois sambistas foram escolhidos pela gestão municipal para serem os homenageados da folia recifense em 2019: Belo Xis e Gerlane Lops. A visibilidade que a dupla proporcionará ao ritmo durante o Carnaval é apontada pelos presidentes das agremiações como o principal ganho. Porém não significa, acreditam eles, que resultará em melhores condições de apresentação dos grupos.

“Parabenizo os dois pela homenagem. Mas é só uma maquiagem para dizer que estão valorizando o samba. Galeria do Ritmo vai sair com a cara e a coragem porque conta com a ajuda e o trabalho voluntário de moradores e comerciantes de Casa Amarela, Alto José do Pinho e região. O dinheiro dado pela prefeitura é pouco e ainda vem dividido em duas vezes”, afirma o presidente da Galeria do Ritmo, Mizael Souza.

Semana passada, quando deu entrevista ao JC, no barracão improvisado no Bonsucesso Futebol Clube, no Alto José do Pinho, Souza trazia alguns metros de galão e tecido que comprou com cem reais doado por um comerciante. “Conseguimos esse clube de favor. Nossos seis carros alegóricos estavam guardados num galpão perto do Mercado das Flores, no Centro do Recife, e desapareceram. Temos quatro cachês para receber do governo municipal e da Fundarpe, no total de R$ 60 mil, de apresentações de 2018”, diz Souza. O enredo da Galeria será Segredos e lendas do fundo do mar. O desfile está orçado em R$ 120 mil.

Com onze títulos seguidos de campeã do grupo especial, a Gigante do Samba está com 70% do desfile pronto. Para montar o enredo O Doce sabor da cana, uma viagem da Índia ao Brasil serão gastos cerca de R$ 250 mil. “Se fôssemos depender só da subvenção da prefeitura não teríamos desfile. Com os R$ 16 mil que receberemos de lá vamos pagar o transporte das pessoas que vão desfilar. São duas mil”, conta o presidente da escola, Aldo Alexandre.

Baiana mais antiga da agremiação, Odília Benedita dos Santos, 90 anos, desfila há 25 anos. “É uma paixão que não dá pra explicar. Quando vai chegando perto do Carnaval fico sem dormir direito”, afirma Odília, que está diariamente ajudando a confeccionar as fantasias no barração montado na sede da escola, na Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife.

“Os presidentes das escolas são batalhadores, correm atrás com muito esforço. Mas está cada vez mais difícil. Esperamos que o samba seja mais valorizado, pelo menos esse ano, já que Belo Xis e Gerlane Lops são os homenageados”, ressalta o presidente da Associação dos Blocos de Samba de Santo Amaro, Antônio Bernardino.

Foto: Léo Motta/JC Imagem
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Custo do Carnaval da Gigante do Samba gira em torno de R$ 240 mil - Foto: Léo Motta/JC Imagem
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Presidente Unidos de Escailabe, Gugu do Tamborim lamenta porque não vai desfilar - Foto: Léo Motta/JC Imagem
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MUDANÇA

O desfile das escolas de samba na capital pernambucana pode mudar de data e local este ano. Com o argumento de proporcionar melhor estrutura e mais visibilidade, a Secretaria Municipal de Cultura propõe antecipar as apresentações para a semana pré-carnavalesca (entre 25 de fevereiro e 1º de março) e deslocar os grupos para o Cais do Apolo, no Bairro do Recife. A mudança afetaria também o concurso das demais agremiações (clubes de frevo, maracatus, caboclinhos, entre outros). Entre os sambistas, a mudança não é bem-vinda. Caso ela ocorra, a Galeria do Ritmo ameça não desfilar.

Tradicionalmente, o desfile do grupo especial ocorre na segunda-feira de Carnaval, que este ano cai no dia 4 de março, na Avenida Dantas Barreto, no bairro de Santo Antônio, no Centro da cidade. “Estamos conversando com as agremiações. Desejamos chegar a um consenso e de forma pactuada, entre poder público e agremiações”, explica o secretário executivo de Cultura do Recife, Eduardo Vasconcelos. “Um dos locais sugeridos é o Cais do Apolo, mas pode ser outro. Iniciamos as reuniões com as agremiações semana passada e pretendemos concluí-las até o final dessa semana”, diz Eduardo.

Ele argumenta que na Dantas Barreto há queixas em relação à iluminação, segurança, som e acessibilidade. “O problema é que com o Galo da Madrugada, no sábado, ficamos impossibilitados de deixar tudo pronto para os desfiles das agremiações, que começam no domingo”, observa Eduardo. Sobre o valor das subvenções, o secretário diz que os R$ 3 milhões destinados aos grupos não sofreu cortes nos últimos anos, apesar do cenário de crise. “Pretendemos pagar a primeira parcela ainda este mês e a segunda quando as agremiações realizarem a prestação de contas”, informa.

Os dois cachês devidos pela prefeitura à Galeria do Ritmo serão pagos tão logo o sistema financeiro de 2019 seja aberto, o que deve ocorrer ainda em janeiro. Sobre os dois cachês que o governo estadual deve à escola (referentes a uma apresentação na semana pré de 2018, em Palmares, e outra em julho, no Festival de Inverno de Garanhuns), a Fundarpe assegura que o primeiro está sendo resolvido e que o segundo já foi pago.

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