As prateleiras do Arquivo Dom José Lamartine Soares da Arquidiocese de Olinda e Recife guardam relíquias. São livros de missas, casamentos, batizados e óbitos, inventários, bulas e breves papais, entre outros documentos produzidos por igrejas históricas e tombadas das duas cidades. O acervo é inédito e não se resume a correspondências entre padres e bispos. “É a história das nossas vidas registrada em folhas de papel”, declara a restauradora Débora Mendes.
Nos livros encadernados e nos papéis avulsos há informações sobre o cotidiano dos moradores (quem casou com quem, pedidos de separação feitos por mulheres vítimas de violência doméstica, doenças que matavam crianças e adultos); sobre as irmandades (regulamentos, atas, deveres e obrigações dos integrantes) e sobre as igrejas (construções, ampliações, reformas, substituições de material construtivo de altar, demolições, nome de entalhadores, pintores e artistas).
“São documentos administrativos das igrejas e das irmandades, dos séculos 17 ao 20, que permitem traçar o perfil sociológico e antropológico da população”, destaca Débora Mendes, coordenadora do Projeto de Preservação da Memória do Arquivo Dom Lamartine da Arquidiocese de Olinda e Recife. Um dos documentos relata a história de uma mulher, no século 19, que pedia a separação porque o marido queria filhos, ela não tinha vontade de ser mãe e o esposo ameaçava se jogar da janela da casa e se ela não cedesse.
O projeto, iniciado em 10 de maio de 2018 com apoio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), termina na próxima sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019, com o lançamento do Inventário da Documentação das Igrejas de Olinda e Recife e exposição de peças do acervo. O evento é aberto ao público, às 10h, no Seminário Maior Arquidiocesano, onde fica o Arquivo Dom Lamartine, na Avenida Afonso Olindense, 1764, na Várzea, Zona Oeste do Recife.
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Débora Mendes esclarece que o trabalho executado de maio a fevereiro não contempla a restauração do acervo, coletado em 22 igrejas do Recife e 11 templos católicos de Olinda em 2016 e 2017. “Fizemos a organização de todo o material para criar as condições necessárias à pesquisa”, explica. Os livros encadernados, impresso e manuscrito, foram higienizados página por página. As folhas avulsas estão acondicionadas em caixas polionda para proteger o documento.
Separados por igreja, o acervo da arquidiocese ganhou ficha técnica para análise (estado de conservação, tipo de papel, se é impresso ou manuscrito, situação da tinta) e identificação por título, assunto e ano. São 3.053 fichas. A Igreja de São José dos Manguinhos, nas Graças, Zona Norte do Recife, tem o maior número de catalogação, mas veio da Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Santo Antônio, no Centro do Recife, o documento mais antigo do arquivo.
“É uma verba do testamento, de 1685, manuscrita em papel artesanal do século 17, com a destinação dos bens de uma pessoa”, diz Débora Mendes. A Igreja de São Pedro dos Clérigos tem a maior parte dos documentos vindos do Vaticano. Um deles é o breve expedido pelo Papa Pio VI, em 1776, autorizando missas privilegiadas para exorcismo no templo.
Classificação
A papelada resgatada se soma ao arquivo já existente na arquidiocese. Como estavam sem uso e guardados de forma inadequada nas igrejas, muitos se deterioram. Quase a metade do acervo recolhido em 2016 e 2017 encontra-se com estado de conservação ruim, 47%. Apenas 10% foram classificados em bom estado, 35% são regulares e 8% estão em situação péssima, sem condições de recuperação ou podem ser parcialmente restaurados. Alguns livros nem abrem mais.
Acácia Coutinho, coordenadora do Arquivo Dom Lamartine da arquidiocese, informa que o acervo está disponível para pessoas que tenham conhecimento em paleografia. As consultas devem ser previamente agendadas. Ela avisa que o Inventário da Documentação das Igrejas de Olinda e Recife não será vendido. A publicação é destinada a universidades, arquivos e bibliotecas. Posteriormente, será colocado no site da arquidiocese.
O resgate do acervo documental das igrejas é uma ação da Comissão Pastoral Arquidiocesana de Bens Culturais, coordenada pelo padre Rinaldo Pereira. Participaram do projeto os restauradores Célia Salsa, Wellington de Oliveira e Givaldo Bernardino e os historiadores Felipe Fernandes, Rafael Benevides e Diego Rodrigues.