O amor salva Miguel Arruda da Motta Silveira Filho, 48 anos, todos os dias. É por Marcela, a filha de 6 anos, que ele levanta da cama diariamente. Quase dois anos após o acidente que tirou a vida da esposa Maria Emília Guimarães, 39, do filho Miguel Neto, 3, e da babá das crianças Roseane Maria de Brito, 23, grávida de três meses, em novembro de 2017, pai e filha encontram um no outro forças para lutar pela recuperação da menina.
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Palavras não são necessárias para traduzir o afeto. O amor está no olhar de Miguel, no cuidado diário, no carinho e na dedicação à filha, que acompanha o dia inteiro, em todas as atividades. Ele está também no sorriso de Marcelinha, na mudança de comportamento quando vê ou simplesmente escuta a voz do pai. Uma ligação que se fortaleceu ainda mais depois dos fatos que marcaram a história dos dois para sempre.
Na noite de 26 de novembro de 2017, o carro em que a família estava foi atingido no cruzamento da Estrada do Arraial com a Rua Cônego Barata, no bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife, por um outro veículo, em alta velocidade. O condutor, alcoolizado, acabou matando três pessoas, entre elas a esposa e o filho mais novo de Miguel. O advogado e a filha mais velha foram os únicos sobreviventes. A menina teve traumatismo craniano e precisou ser submetida a vários procedimentos cirúrgicos. A alta hospitalar foi dada em janeiro de 2018, mas os cuidados foram mantidos em regime homecare. Marcelinha ficou sem a calota craniana até março do ano passado e, em maio daquele ano, teve hidrocefalia e precisou colocar uma válvula na cabeça. O organismo teve rejeição e ela necessitou passar por outros dois procedimentos semelhantes. Somente na terceira válvula, o organismo aceitou.
“Hoje minha relação com Marcela é ainda mais estreita do que já era. A gente dorme junto, acorda junto e faz várias atividades do dia a dia junto. Ela praticamente carrega a mim e a família nas costas. Mesmo sem falar, ela expressa muito amor”, conta, emocionado. “Quando Marcela me vê, é uma alegria. Agora é mais fácil de identificar, porque ela tem gestos. Mas antes, dava para perceber no olhar. Ela abria os olhos lá no hospital, ainda inconsciente, e, quando eu falava perto dela, o batimento cardíaco subia”, lembra o advogado.
Se o amor está na dedicação a Marcela, ele também mora junto à saudade que Miguel carrega. “Ele era muito pequeno e a gente era muito ligado. Nunca é hora para um pai perder um filho. Lembro que dizia à minha terapeuta como a ausência dele não era somente algo psicológico. Era física. Eu sentia falta do peso do meu filho no meu braço, sentado na minha perna”, relata.
A tristeza ainda existe, mas, se antes os dias ruins eram maioria, hoje eles são superados pelo número de dias bons, segundo Miguel. “Eu não tenho opção de parar, de ficar na cama deitado um dia inteiro. Marcela precisa de mim.” A menina voltou para a escola no último mês de junho, para trabalhar a socialização. Marcela estuda na mesma turma em que estava antes do acidente. No início, frequentava as aulas três vezes por semana. Este mês, após o recesso escolar, começou a ir todos os dias, durante duas horas diárias.
É Miguel quem leva a filha para o colégio pela manhã. Os dois almoçam juntos, passam a tarde envolvidos nas terapias (ocupacional, fisioterapia, sessões com fonoaudiólogo) e dormem juntos. Nos fins de semana, Miguel leva Marcela ao shopping, seu programa preferido, e os domingos são reservados para os encontros de família. “Ela tem esse poder de emanar e reunir amor em torno de si. Além da família, recebemos muito carinho e apoio por onde vamos.”
Para Miguel, a paternidade trouxe uma nova maneira de ver o mundo. “Você passa a amar o outro mais do que a você mesmo. Dizem que a melhor coisa do mundo é ser mãe, ter a graça de Deus de gerar outro ser humano. Mas acho que ser pai chega perto disso. Você acompanhar o crescimento de um filho, dar educação, saber que aquela criança está indo no caminho certo, um caminho de Deus, cristão e de amor ao próximo... Quando um filho ama o seu pai, pode ter certeza de que é porque o pai ama o seu filho. ”
Segundo ele, a prioridade dele e da esposa sempre foi criar os filhos de forma humana. “Sempre tivemos esse pensamento, de que o mais importante era que eles fossem pessoas de bem, ligados a Deus, amorosas, carinhosas e atenciosas. Isso é o que realmente é importante na vida. Hoje, minha preocupação com Marcela é muito mais com a saúde do que com a educação, infelizmente. Como pai, preciso entender um pouco de tudo: de medicina, psicologia... até mesmo de uma assadura eu preciso entender para cuidar de Marcela. Tenho que ser o suporte de que ela precisa. Minha prioridade depois do acontecido, é restabelecer ao máximo a saúde dela. Não sabemos quão longe ela pode chegar. Ela teve uma lesão grave, que atingiu principalmente a região da fala, mas, ao mesmo tempo, é uma criança, ainda vai se desenvolver. Marcela fisicamente está perfeita. A lesão é realmente cerebral. ”
Dia dos Pais
Para as famílias, Miguel Filho deixa um recado neste Dia dos Pais. “Ame os seus filhos e você será amado. É algo recíproco. Os pais são a referência dos seus filhos. Suas atitudes é que irão ensinar, não o colégio ou o curso em que você coloca ele. Como você trata o próximo dentro de casa, fora, no trânsito, ensina mais do que o que você diz.”