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64% de brasileiros com HIV já sofreram discriminação, diz relatório

De acordo com o levantamento inédito no Brasil e realizado em mais de cem países, 81,8% dos que vivem com o HIV acham difícil contar às pessoas sobre sua condição

Da editoria de Cidades
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Publicado em 17/12/2019 às 7:30
Foto: Arquivo/Agência Brasil
De acordo com o levantamento inédito no Brasil e realizado em mais de cem países, 81,8% dos que vivem com o HIV acham difícil contar às pessoas sobre sua condição - FOTO: Foto: Arquivo/Agência Brasil
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Mariom (nome fictício) tinha 60 anos quando uma perda repentina de peso e sintomas de fatiga a levaram à policlínica Gouveia de Barros, na área central do Recife, para fazer a testagem para o HIV. O diagnóstico positivo veio como uma surpresa - a aposentada estava há quase dez anos sem manter relações sexuais.

Hoje, doze anos depois, aos 72, ela é ativista no combate à discriminação contra pessoas que vivem com HIV/AIDS, pela Gestos e pelo Movimento Nacional de Cidadãs Positivas. Mesmo sendo uma voz ativa para outras pessoas soropositivas e falando abertamente sobre o assunto, o estigma acerca do vírus ainda impõe limites em sua vida.

“Sou uma coisa dual”, define. “Eu não me sinto discriminada, acredito que consegui trabalhar bem isso na minha cabeça. Mas comigo mesma, eu ainda tenho alguma dificuldade, como, por exemplo, em mostrar o rosto. O fato de eu estar aqui falando com você e não deixar você me fotografar, acho que isso faz parte do preconceito”, conta.

Essa sensação de estigma internalizado experienciada por Mariom é uma realidade comum, conforme revelou o Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o HIV e AIDS (UNAIDS) e divulgado ontem em conferência no Recife.

De acordo com o levantamento, 81,8% dos brasileiros que vivem com o vírus acham difícil contar às pessoas sobre sua condição, enquanto 75,5% revelaram preferir escondê-la. Por conta da sorologia positiva para o HIV, 35,7% afirmaram sentir culpa, e 21,6% disseram se sentirem sujos.

O indicador aferiu o preconceito vivido diretamente por essa população: 64,1% disse ter vivido alguma situação de discriminação. Mais de 17% relatou ter sido excluídos de atividades familiares por conta da condição. Já 41% responderam ter ouvido falar de membros da família fazendo comentários discriminatórios a seu respeito. O percentual sobe para 43,3% quando se trata de pessoas de fora do círculo familiar.

Os números também mostram o impacto na vida profissional. Entre os entrevistados, 19,6% disse ter perdido uma fonte de renda ou ter sido rejeitado de uma oferta de emprego por ser soropositivo. Outros 13,3% falaram que a natureza do trabalho já mudou ou uma promoção já foi negada por este motivo. O resultado é que 19,1% decidiu não se candidatar a uma vaga de trabalho por conta nos últimos 12 meses.

Essa é a primeira vez que a pesquisa, realizada em mais de cem países desde 2008, é feita no Brasil. O questionário foi aplicado em Recife, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, com 1.784 pessoas, por 29 entrevistadores que também vivem com o vírus.

De acordo com Angelo Brandelli Costa, pesquisador de Psicologia da PUC do Rio Grande do Sul, instituição responsável pelo tratamento dos dados do estudo, ter entrevistadores que conheçam a realidade dos que respondem o questionário traz sensibilidade e ajuda a trazer mais precisão aos resultados. “Quando uma pessoa com HIV conversa com outra, muitas experiências de estigma que ela sofreu vão fazer sentido e pela primeira vez ela vai poder falar sobre isso”, explicou.

Jair Brandão, diretor de projetos da Gestos, entidade que treinou os entrevistadores, comemorou o lançamento do relatório. "Estamos entrando na quarta década da AIDS e não tínhamos nenhum documento que de fato comprovasse o estigma que ainda vivemos. O documento vai ser de extrema importância para as políticas públicas voltadas para HIV e Aids.”

Segundo Cleiton de Lima, diretor interino do UNAIDS, os dados apurados no Brasil são similares com os do resto do mundo. "Mesmo em contextos diferentes, esse nível de discriminação é elevado. É uma questão que não está presente só em países mais ou menos desenvolvidos. É uma questão quase que universal em todos os países em que foi realizada a pesquisa", comentou.

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