Foi uma festa. Aliás, uma grande e emocionante festa. O Galo da Madrugada, eleito em 1994 pelo Guinness Book – o Livro dos Records – como o maior bloco do mundo, mais uma vez arrastou milhões de foliões pelo Centro do Recife. Reverenciando a mulher e o seu direito à liberdade de expressão, de corpo e de alma, à igualdade de trabalho e de espaço na sociedade, o Galo da Madrugada uniu, mais uma vez, foliões pernambucanos, de várias classes sociais e partes do Brasil e até do mundo.
Músicas de variados gêneros e a irreverência política também estiveram presentes durante todo o desfile, que fez o Centro tremer até o fim da tarde do Sábado de Zé Pereira. E tudo sob o olhar da alegoria gigante do Galo da Madrugada, que este ano veio na versão sustentável e agradou muito mais.
A folia começou, pontualmente, às 9h, quando os fogos, clarins e trombetas anunciaram a chegada do Galo da Madrugada na altura do Forte das Cinco Pontas, no bairro de São José. Era o prenúncio de nove horas de muito frevo e outros ritmos tocados nos 30 trios que marcaram o desfile este ano. O carro abre-alas com passistas de frevo e o tradicional Galo ao lado de Léa Lucas, uma das folionas mais tradicionais do Carnaval do Recife, deu início à homenagem às mulheres.
A cantora paraibana Elba Ramalho puxou o primeiro trio, colocando os foliões para dançar. Na sequência, a alegoria Frevo Mulher, que carregava o tema da agremiação em 2019 e que faz referência à música de Zé Ramalho, tendo como inspiração a cantora e compositora Amelinha. Foi ela quem comandou o trio. “É muita, muita emoção estar aqui hoje. São 40 anos da canção Frevo Mulher e ser homenageada nesse grande bloco que é o Galo da Madrugada não tem palavras. É muita energia”, disse a artista, que esteve no desfile pela primeira vez.
Leia Também
Outras quatro mulheres também foram reverenciadas pela agremiação. A pentatleta Yane Marques, à frente do carro alegórico Pernambucana de Raça, foi lembrada por sua história de garra e resistência. Na sequência, a cirandeira Lia de Itamaracá, que veio num carro que simbolizava a ciranda e o mar de Itamaracá. Depois, a atriz recifense Fabiana Karla, no carro alegórico Oh Bela, numa referência à canção de Capiba. Para animar o público que estava nas imediações da sede do Galo, na Praça Sérgio Loreto, no bairro de São José, duetos entre artistas nacionais e pernambucanos nos trios.
Nena Queiroga e Margarete Menezes, Almir Rouche e Gaby Amarantos, Gustavo Travassos e Fafá de Belém. Além deles, cantores reconhecidos local e nacionalmente: Elba Ramalho, Romero Ferro, Spok, Marcelo Jeneci, Geraldinho Lins e Gerlane Lops, a homenageada deste ano do Carnaval do Recife. Os duetos, entretanto, aconteciam apenas quando os trios passavam pelo camarote oficial.
LARANJAS
Como já é tradicional, as críticas à política nacional fizeram parte do Galo da Madrugada 2019. Os supostos "laranjas" do PSL, partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, não escaparam da sátira carnavalesca. Ao lado de amigos, Fabiano de Olinda aproveitou a folia para ironizar as denúncias. "É um absurdo o que estamos vivendo. São apenas 60 dias de governo e parece que já vivemos um ano de tanta loucura! Só chupando muita laranja para aguentar", afirmou, enquanto dizia aos foliões que passavam: "Olha a laranja do Bolsonaro, é 17. Cadê o Queiroz?".
A médica Bernadete Peres, que também estava num grupo de "laranjas", defendeu que o protesto era uma forma de resistência. "Já me fantasiei de Empatando Sua Vista e agora estou de laranjas. É a nossa forma de protesto. O Brasil precisa disso. Precisa de resistência. Temos que resistir aos abusos políticos, às injustiças", ensinou. O Empatando Sua Vista é um grupo que, durante o Carnaval do ano passado, protestou muito contra a edificação descontrolada do Recife.
LULA
Interpretando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e desde 2002 no desfile, José Bezerra Silva Filho, 60 anos, se fez presente mais uma vez. Figura conhecida no Carnaval de Pernambuco, ele cogitou desistir de sair neste sábado por causa da morte do neto do ex-presidente. Aos sete anos, Arthur Araújo Lula da Silva, morreu de meningite meningocócica na sexta-feira. “Há 14 anos faço Lula, mas estava muito triste com tudo que ele está passando e, por isso, pensei em não vir. Mas mudei de ideia e não me arrependo porque tenho recebido muito carinho das pessoas na rua”, afirmou, enquanto era disputado para tirar fotos com os foliões.
José Bezerra aproveitou para citar os políticos que criticaram a liberação do ex-presidente para acompanhar o enterro do neto, numa clara referência ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) que, no Twitter, posicionou-se contrário à saída temporária de Lula da prisão. “Isso dói na gente como ser humano. É algo que vai além da política. Independe de ser PT. É desumano”, afirmou. Ao lado do “falso” Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff, interpretada por Marco Antônio Lins dos Santos há vários carnavais. “Continuo me vestindo de Dilma porque, apesar de tudo, o povo ainda tem muito carinho pela ex-presidente”, garantiu ao ser questionado se não temia sair às ruas representando Dilma após o processo de impeachment.
Deixando a política de lado, muitos foliões optaram por fantasias irônicas ou de valorização da cultura regional. Foi o caso do Grupo Super Lindos, que sai no Galo da Madrugada desde o segundo desfile da agremiação. Ou do auxiliar administrativo Samuel Lira, que ignorou o calor e saiu de caboclo de lança. “Temos que dar valor à nossa cultura. Isso é nosso. Por isso me visto assim. Sei que é pesado e quente, mas todos os anos uso”, disse.