Não há como não enxergar. Pelo tamanho, pelo descaso, pelo abandono. A estrutura da ponte inacabada que liga os bairros de Iputinga e Monteiro, no Recife, é um símbolo imponente de dinheiro público jogado fora. Mas é também um amontoado de erros que, até agora, continuam sem nenhum tipo de responsabilização. A construção está lá, na beira do Rio Capibaribe, se acabando, há quase um ano e meio. Já nasceu condenada. Diagnóstico feito pela própria Empresa de Urbanização do Recife (URB), responsável pela construção do elevado, reconhece que o traçado é equivocado e os projetos licitados foram de má qualidade. O Tribunal de Contas do Estado mandou ofício, emitiu alerta de responsabilização, deu prazos. Nada aconteceu. Da última vez, ouviu da prefeitura: não há dinheiro para tocar a obra. Certo. E daí?
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“É muito fácil dizer: ‘não temos recursos. Mas e o dinheiro que já foi gasto? E o prejuízo para a população? Quem vai ser responsabilizado por isso?” O questionamento é da conselheira do TCE Teresa Duere. Ela afirma que, no âmbito administrativo, foi até onde as competências legais do Tribunal de Contas poderiam ir. “Chegamos no limite do acompanhamento e da cobrança. Temos que agora apurar responsabilidades.” E agora entra em cena o Ministério Público Federal (MPF). A pedido do Ministério Público de Contas, o órgão abriu inquérito administrativo para investigar a construção da ponte-viaduto. Apesar de ser uma obra executada pela Prefeitura do Recife, a União foi a avalista de um empréstimo junto ao Banco Mundial. Por isso, a investigação foi parar no MPF.
O procurador-geral do Ministério Público de Contas, Cristiano Pimentel, explicou que o processo referente à execução da obra ainda não foi julgado pelo TCE. Mas diante da gravidade dos fatos, ele decidiu já encaminhar os documentos para o MPF. “A eles caberão investigar se há responsabilização tanto do ponto de vista da improbidade administrativa quanto criminal”, afirma. Entre os absurdos listados pelo procurador-geral, ele ressalta o perigo em que se transformou a obra abandonada para a população. A reportagem já flagrou, mais de uma vez, crianças usando as ferragens expostas para escalar o paredão da estrutura.
Tomado pelo mato e sem tapumes de proteção, o local se transformou numa garagem improvisada para caminhões de uma transportadora e criatório de porcos e cavalos. Já foram gastos na ponte R$ 16 milhões dos R$ 54,6 milhões previstos para a obra. Em agosto do ano passado, quando o JC denunciou o perigo dos jovens escalando a ponte, a URB divulgou nota informando apenas que havia sido aberto um processo licitatório para a contratação de uma empresa encarregada de fazer o estudo de um novo traçado. Na ocasião, a abertura das propostas estava marcada para o dia 1º de outubro de 2015. Esta semana, novamente procurada pelo JC, a resposta da URB foi rigorosamente a mesma. “Devemos lançar ainda no primeiro semestre a licitação para contratação dos estudos de impacto e viabilidade da ponte e do entorno”. E assim o tempo segue.