O que cabe dentro de um choro? Revolta? Humilhação? Desespero? O do comerciante José Henrique Barbosa Neto, 54 anos, parece ir além disso. É um choro de imobilidade. Uma explosão por não ter mais o que fazer. Por não saber para onde ir. A quem implorar. Por 40 anos, ele ganhou a vida como proprietário de uma oficina no Loteamento São Francisco, que foi desapropriada há mais de dois anos para a ampliação do Terminal Integrado de Camaragibe, dentro das obras de mobilidade anunciadas para a Copa do Mundo. A obra nunca saiu. Nem o dinheiro prometido para José Henrique como pagamento da indenização. Ele deveria receber R$ 70 mil. Não concordou com o valor. Mas seria isso ou ser despejado sem levar nada. Assinou o acordo. Ganhou R$ 28 mil. Os outros R$ 42 mil, espera até hoje.
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Quando começa a contar sua história, José Henrique parte a voz. Respira fundo e vai tecendo a sucessão de pequenas tragédias que cruzaram o seu caminho desde que foi obrigado a deixar o terreno de toda uma vida. “Criei meus filhos com o dinheiro da oficina. Sustentava os netos. Aquele comércio era a minha fonte de renda. Não invadi o terreno, paguei por ele. E, de uma hora para outra, ficamos no meio da rua, sem ter para onde ir.”
Sem dinheiro, José Henrique recorreu a agiotas. Arrumou R$ 10 mil para tentar reabrir a oficina em outro local e recomeçar do zero. Como não recebeu a indenização, vive sendo pressionado pelo agiota para pagar a dívida. Alugou um pedaço de chão a céu aberto. Quando chove, tudo fica inundado. Já perdeu várias máquinas. “Não posso fazer nenhuma melhoria, mal tenho dinheiro para o aluguel. Minha vida está suspensa. É uma vida sem esperança.”
Toda semana, ele tenta buscar uma definição da Justiça. Vai religiosamente no fórum saber como está o seu processo para receber o dinheiro da indenização. De tanto ir e ouvir sempre a mesma resposta (“tem que esperar o juiz assinar o alvará”), um dia ele tomou coragem e entrou na sala do magistrado. Levou uma chamada: “O processo tá parado. O senhor não tem computador em casa? É só acompanhar pela internet. Quando eu der a sentença, o senhor vai ficar sabendo.” Saiu humilhado da sala. “Eu ia dizer o quê? Baixei a cabeça e fechei a porta.”
De todas as dores que carrega, uma lhe deixa revoltado. O terreno onde ficava a oficina e de onde dezenas de pessoas foram retiradas, hoje funciona como garagem dos ônibus que atendem ao TI de Camaragibe. “Acabaram com a nossa vida para quê? Para o terreno virar garagem de ônibus? Nem gosto de passar na frente. É injustiça demais.” O Grande Recife Consórcio de Transporte explicou que o terreno foi cedido, temporariamente, para a estocagem dos coletivos, até que as obras de ampliação do terminal sejam retomadas.
É quando fala do que o futuro lhe reserva, que o comerciante não consegue conter o choro. “Fico com medo de que aconteça comigo o que ocorreu com tantos outros. Morrer sem receber o meu dinheiro. E tudo isso em vão. Desgraçaram a vida de centenas de famílias, para quê? Para nada.” De todas as contas feitas pelo TCE, de todos os prejuízos deixados pelo caminho, de todas as justificativas dadas pelo governo, nada é capaz de medir a dor do choro de José Henrique.