Seguir o curso do rio. Descobrir suas margens, potencialidades. Como uma folha em branco, planejar uma ocupação partindo do zero. O rio em questão, o Capibaribe. A proposta desafiadora tem como cenário uma paisagem inusitada (desconhecida até) na vizinha São Lourenço da Mata. A inspiração vem do projeto Parque Capibaribe, que, no Recife, tem a missão de humanizar as margens do rio que é símbolo da cidade e para quem essa mesma cidade virou as costas. Diferentemente da capital, onde o espaço urbano que margeia o curso-d’água foi densamente ocupado, em São Lourenço ele tem longos trechos que estão em estado bruto, praticamente sem intervenção. É aí que entra a missão de professores e alunos do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Eles estão desenvolvendo estudo para traçar um plano de urbanização para as margens do Capibaribe, a partir de uma proposta de expansão urbana da Região Metropolitana do Recife (RMR). Objetivo: revelar esse rio que caminha, que navega em direção ao que ainda estar por vir. E o que se pode pensar sobre ele, para ele, às margens dele.
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A proposta acadêmica está sendo construída dentro da disciplina Projeto 5, que se debruça justamente sobre novas áreas de expansão dentro da RMR. Os primeiros passos já foram dados. No mês passado, os alunos visitaram o local que será objeto de estudo. Localizada no limite entre a BR-408 e o Rio Capibaribe, a área compreende um trecho com resquício de mata atlântica e desvenda uma paisagem surpreendente. Esqueça o Capibaribe poluído, depositário de esgotos domésticos e industriais. Aqui o rio surge limpo, bucólico, uma espécie de clarão em meio às agressões sofridas desde a sua nascente, no Agreste do Estado. É um rio renovado, de características preservadas. A urbanização está muito próxima, mas não o bastante para afetar suas águas e margens. É o momento ideal para a urbanização chegar planejada, integrando homem, uso do solo e natureza. Antes do adensamento, da agressão, da poluição.
A ideia é aproveitar os exemplos bons e evitar os erros cometidos em outros locais. “É uma oportunidade de intervir e fazer propostas para essa área nova. Vamos pensar uma expansão urbana, considerando a ideia de sustentabilidade, humanização e tratamento paisagístico”, explica o arquiteto e professor da UFPE Rusken Freitas. À frente da disciplina Projeto 5, ele diz que a experiência do Parque Capibaribe é uma referência para o trabalho que será desenvolvido em São Lourenço. “O projeto é muito importante para resgatar o valor do rio, que existia no passado e foi se perdendo com o tempo. Na capital, o espaço urbano está consolidado, com ocupação formal e informal. Em São Lourenço, é o contrário. O município precisa crescer, adensar, mas de uma maneira que seja a melhor possível para todos. Esse é o desafio.” Enquanto no Recife, o esforço é reverter a agressão ao rio, na cidade vizinha, o objetivo é evitá-la.
INFRAESTRUTURA
Os alunos do curso de arquitetura farão um levantamento das áreas pública e privada no trecho em estudo. Eles vão sugerir edificações de vários tipos, como habitação, comércio, serviço, lazer, parque, vias públicas. “A gente também vai observar as redes de infraestrutura da área. Se vai ter ocupação, precisa ter água, sistema viário, esgotamento. Então, o estudo abrange muitas áreas”, observa o estudante Bruno Bihum, 20 anos. Para Thatianne Ferreira, 27, colega de turma de Bruno, o maior desafio é começar do zero. “A folha em branco é legal, mas, ao mesmo tempo, é muita responsabilidade. Para não cometer os mesmos erros de outras áreas. Quem é a população que vai estar lá? É tudo junto, arquitetura, paisagismo, para oferecer um espaço de qualidade. É planejar uma área nova tendo o Capibaribe às margens. E definir como ela vai interagir com o restante da cidade”, aponta a estudante.
A proposta de intervenção fica pronta até o final deste ano, com apresentação de maquetes e indicação de mobiliário urbano, paisagismo, edificações. No primeiro semestre do próximo ano, os alunos farão o detalhamento das ideias sugeridas e encaminharão o plano para a Prefeitura de São Lourenço. Dono de um sitio às margens do Capibaribe, no trecho estudado pela UFPE, o agricultor e pescador Manoel Pedro Alves está empolgado com a ideia de ver o rio atraindo olhares de fora. “Tenho 71 anos e nunca vi turistas por aqui. Vocês são os primeiros”, diz, enquanto conduz a reportagem, em seu pequeno barco, em um tranquilo passeio pelas águas surpreendentemente transparentes do Capibaribe. Por enquanto, ele é um dos raros moradores a desfrutar dessa bela paisagem.