Um gesto inspirou o outro. E pavimentou o encontro entre Gabriel e Lourdes.
– Como a senhora o conheceu?
– Vixe, é para contar do começo? Essa história é muito comprida, vai até de manhã.
Ela, então, encurta. Conheceu Gabriel, por meio da juíza que lhe concedeu a guarda de cinco sobrinhos. Eles ficaram órfãos após a morte da mãe.
Parênteses para explicar melhor essa parte. Mãe já de três filhas, Maria de Lourdes Quirino tomou para si a missão de criar os cinco filhos da cunhada. Os meninos iam ficar separados, cada parente se ofereceu para cuidar apenas de um. Ela não aceitou. Disse que eram irmãos e tinham que crescer juntos. E ficou com todos.
Na audiência na Justiça para oficializar o processo de adoção, a juíza perguntou a dona Lourdes do que ela estava precisando. E ela: de uma casa maior. Na que morava com o marido, as filhas e netos, só havia dois quartos. Ia ficar apertado.
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É aqui que entra Gabriel Marquim e os anjos construtores. Jornalista de formação, ele faz parte do Projeto Vincular, uma iniciativa de jovens que formam a Comunidade dos Viventes, sediada no Espinheiro, na Zona Norte do Recife. Dona Lourdes mora em Afogados, na Zona Oeste. Quando o grupo soube da necessidade da mãe-coragem, não teve dúvidas: resolveu colocar a mão na massa e ajudar a ampliar a casa de dona Lourdes. “A força dela e a entrega foram uma inspiração para a gente. A necessidade dela ficou menor diante da urgência de cuidar de cinco crianças e adolescentes. Isso nos tocou muito. Todo nosso esforço seria pequeno diante de tanta grandeza”, conta Gabriel.
Fizeram as contas, tiraram medidas e, no fim de semana, o mutirão chegou com tijolo, cimento, areia e uma disposição enorme de deixar a casa de dona Lourdes pronta para abrigar tanto amor. “Foram três fins de semana seguidos para erguer mais dois quartos e um banheiro. Cada vez vinha mais gente. Eu nunca imaginei que pudesse encontrar tanta generosidade de gente que eu nunca tinha visto na vida”, recorda dona Lourdes. Era véspera de Natal. O ano, 2013. “Olha que maravilha, está fazendo três anos, certinho”, faz as contas. De lá para cá, os cinco filhos-sobrinhos cresceram. Três estão na faculdade. “Estão todos encaminhados, tudo cidadão, corações de ouro.”
AMIZADE PARA A VIDA TODA
O que mais a impressionou foi a entrega e a simplicidade da turma de Gabriel. “Eu espero que essa amizade não acabe nunca. Seja para a vida toda. Porque eu puxo a orelha de todos quando eles deixam de vir aqui. Eu não quero eles só para me ajudar. Eu quero eles na minha vida. Porque uma amizade dessa não se encontra em qualquer esquina.” Dona Lourdes disse que não conhecia, até então, tamanha generosidade. “Na minha vida nunca vivi algo desse tipo. Eu estou ainda para encontrar pessoas com tanta grandeza. Ajudar pelo simples gesto de ver o outro feliz, melhor. Se eles caírem na vida de uma pessoa, pode ter certeza que é um presente.”
Passado o desafio, ela olha para trás sem acreditar que conseguiu. “Tinha hora que eu botava a mão na cabeça e achava que ia enlouquecer. Foi muita dificuldade. Mas eu disse: eu vou levar até o fim. E consegui. Estão todos comigo. Só saem quando quiserem.” São dez pessoas dentro de casa.
O encontro com Gabriel e sua turma mudou a forma de dona Lourdes enxergar a vida. “Foi mais do que uma ajuda. Foi multiplicar minha família. Sabe aquela sensação de que você nunca mais vai estar só? Eu sinto isso, depois que conheci eles. Parecia um bocado de anjo que Deus colocou na minha vida.”
– E o que a senhora acha que deu nesse encontro? “Não sei, isso só ele pode responder”.
Com a palavra, Gabriel. “Quando a gente escuta dona Lourdes percebe que todo o protagonismo foi dela. A coragem que ela teve me ensinou a não desistir diante de um desafio. Por maior que ele seja”. Encabulada com a gentileza das palavras, dona Lourdes prefere abrir um sorriso e dar um abraço apertado em Gabriel. Abraço de mãe em filho.