O verso ensina que é preciso fazer da procura um encontro: “Façamos da interrupção um caminho novo/Da queda um passo de dança/Do medo uma escada/Do sonho uma ponte”. Diz o dicionário que encontrar é passar a conhecer, obter o que procurava, topar com algo inesperado. Não tem sido fácil. Nem mesmo entre os mais chegados. A arte do encontro andou cambaleando em 2016. Mais bêbada que equilibrista, tropeçou nas estranhezas do diferente. Sobraram desencontros, gente apartada, uma dificuldade enorme de ficar um diante do outro. Sejam com palavras, pensamentos, afagos sutis, pequenas gentilezas.
Há quem resista, insista. Há quem, diante do outro, mesmo tão diferente de si e de mundos, transforme busca em achado. Nesta página, encontro é substantivo vivo, verbo que transforma e surpreende. Parece que é doação, mas não. É descoberta. Pertencimento. Estender a mão e ganhar, de volta, força e confiança. Na troca, não há mais nem menos. Há o sentimento desconcertante de descobrir, a partir do outro e por causa dele, o que nem se imaginava existir.
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Carol encontrou nos livros uma forma de juntar, de ensinar e, de tanto encontrar, descobriu que sua busca sempre esteve ali. Andréa ficava horas esperando. Resolveu fazer da espera, entrega. E se viu caminhando por entre prateleiras antes indecifráveis. Marcilene só foi porque o irmão Anderson foi primeiro. Gostou, ficou. Eita, nem tímida é mais. Roque nem era professor. Virou. E se viu diante de tanto esforço e vontade, que o que era cansaço tornou-se leveza, a melhor hora do dia. Leandro ganhou emprego, mas, muito mais que isso, achou esperança: sim, é possível acreditar. Gabriel recebeu um abraço tão apertado quanto sincero. Lourdes, que acolheu cinco filhos, se viu rodeada de anjos. Gabriel, um dos anjos construtores, agora é como se fosse da família de Lourdes. Aqui, o milagre do encontro. Que eterno, será sempre presente.
AFETOS COSTURADOS POR LIVROS
Carol fez do amor aos livros seu ofício. Ainda estudante de biblioteconomia queria que esse amor fosse capaz de impactar pessoas. Queria ajudar, não sabia exatamente como. Procurava o local onde hoje trabalha, antes mesmo de ele existir. A busca começou a virar encontro quando ela cruzou o caminho do secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti. Conversa vai, projeto vem, Carol foi convidada a participar do nascedouro do que veio a tornar-se o primeiro Centro Comunitário de Paz (Compaz) da capital, que abriu as portas em março deste ano no Alto Santa Terezinha, na Zona Norte. Suas digitais estão impressas, mais especificamente, na biblioteca, lugar que hoje, para ela, é casa. E foi lá que seu sonho de impactar pessoas ganhou nomes, rostos, parceiros e cúmplices. A convivência fez de Ana Carolina Sobral “tia Carol”. E lhe abriu um mundo de descobertas que é compartilhado por Marcilene, Betânia, Franciely, Richardson, Emerson, Andréa e Luan, para citar apenas os que foram capturados na foto. Cada um do seu jeito, ao seu modo, deram à palavra encontro sinônimos vários: transformação, oportunidade, abraço, família.
Com seu poder catalizador, o livro foi costurando essas aproximações. No início, de forma acanhada. Muito mais por curiosidade que por vivência. Betânia Cardoso quis conhecer o Compaz já no dia da inauguração. Viu na biblioteca aquele lugar de conhecimento que os três filhos nunca tiveram por perto. “É um mundo novo para eles.” Ainda é, mas agora já não mais tão distante. Ágata, a filha mais nova, aprendeu a juntar as primeiras palavrinhas na biblioteca do Compaz. Franciely, a mais velha, virou representante. Com direito a crachá e tudo. “E o que o representante faz?” “Ajuda as pessoas a encontrarem os livros que elas estão procurando”, ensina a menina. Ganhou o posto de tanto que gosta de ficar entre os livros. São seus primeiros passos na leitura. “Aprendi vendo outros meninos lendo. Quis ler também.”
Betânia, a mãe, diz que o encontro com Carol, a bibliotecária, lhe trouxe confiança e sabedoria. “É um ambiente excelente, onde as pessoas se importam umas com as outras. Estão ali para aprender, ensinar. É como se as diferenças se tornassem menores.” Carol aprendeu com Betânia a ouvir mais. A ter mais paciência. “Tem hora que a gente para tudo para ter uma conversa. Porque o que mais aquela pessoa está precisando é ser ouvida, fazer um desabafo.” Como bem disse Betânia, na troca, as hierarquias de saber e de aprender se confundem, se diluem em experiências novas, surpreendentes. “Nem em meus melhores sonhos eu imaginava que conseguiríamos transformar o conceito de biblioteca viva em algo tão concreto, diário. E em tão pouco tempo. Poderia ter sido o lugar de maior resistência. Mas não. Todo dia tem criança aqui descobrindo e se apaixonando pelos livros”, entusiasma-se Carol.
PARTILHA E APRENDIZADO
Tem mais que isso. Tem a descoberta de transformar tempo de espera em ensinamento e partilha. Todos os dias, Andréa Ferreira dos Santos levava o filho Luan para o curso de robótica. Ficava horas esperando até o garoto sair. De tanto ver e se encantar com o ambiente da biblioteca, resolveu fazer parte dele. Virou voluntária. Mesmo sem ter tanta familiaridade com os livros, está aprendendo a organizá-los nas prateleiras e orienta os passos de quem, assim como ela, quer descobrir o mundo das palavras. “Aqui a gente se sente contribuindo, devolvendo um pouco das coisas boas que estamos recebendo. É como se fôssemos uma família.”
E por falar em família, foi por causa dos irmãos que Marcilene foi parar no Compaz. Primeiro, chegou Anderson, que levou Cilene, que carregou Marcelo. A cada irmão que passava a frequentar o centro ia aumentando a curiosidade de Marcilene. Até que ela decidiu ir e saber o que tanto eles faziam lá. Descobriu e não saiu mais. Hoje é estagiária da biblioteca. Quem a escuta, toda falante, contando o quanto esse encontro lhe transformou nem imagina que ela era “a menina mais tímida do mundo”. “Eu não tinha coragem nem de abrir a boca, ficava sempre num cantinho.” Emerson Alves, o instrutor de informática, diz que não há como definir o sentimento que é trabalhar na biblioteca. “A gente olha e vê o sorriso de cada um, o prazer que eu tenho de ver uma senhora idosa ou uma criança aprendendo. É tão gratificante. Não sei dizer em palavras. Apenas sentir.”