Fora do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2014, o Brasil reduziu o percentual de pessoas subalimentadas praticamente pela metade nos últimos dez anos, segundo o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, divulgado na última terça-feira pelo órgão internacional. Mas a falta de alimentos deu lugar a outra preocupação: a pobreza nutricional. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), em 2017 o País tinha mais de 328 mil (7,1%) crianças com idades entre zero e cinco anos obesas. Pernambuco ficou acima da média nacional: nessa faixa etária, 25 mil (10%) meninos e meninas sofriam com o excesso de peso. Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), promover a boa nutrição é mais do que simplesmente facilitar o acesso aos alimentos. É necessário melhorar a qualidade e a informação sobre o que se come.
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“Historicamente, tivemos em todo o País uma redução expressiva dos níveis de desnutrição entre crianças e adolescentes. Em paralelo, estamos vendo o crescimento, ano a ano, da obesidade infantil. Essa é uma grande preocupação. O problema está associado a fatores como renda, cultura e acesso a alimentos de péssima qualidade”, explica Jane Santos, especialista em programas do Unicef. “As famílias hoje em dia têm pressa, porque os pais trabalham o dia inteiro. E onde está o caminho mais rápido e fácil? Nos produtos industrializados, os piores do ponto de vista nutricional”, lamenta a endocrinologista Elcy Falcão. No consultório, a médica atende cada vez mais pacientes obesos. “As complicações aparecem logo cedo. Os casos de diabetes infantil, por exemplo, estão aumentando, em decorrência da alimentação incorreta.”
Para o Unicef, outros dois fatores influenciam diretamente no aumento dos casos. O primeiro diz respeito às propagandas direcionadas ao público infantil. “O que a criança vê, tem vontade de consumir. Por isso, combater a obesidade passa pela regulamentação da publicidade”, argumenta Jane Santos. O segundo, está relacionado aos rótulos dos produtos. “A população precisa de esclarecimento sobre o que está consumindo. Para isso, é preciso que as informações estejam indicadas em tamanho maior, de maneira clara”, completa a especialista.
Mas não basta comer bem. É necessário combinar a alimentação saudável com exercícios regulares. “Esse é um problema muito grande. O que vemos hoje em dia é a criança brincando com seu celular, tablet ou videogame e se recusando a fazer atividades físicas”, destaca Elcy Falcão.
A opinião é compartilhada pela recepcionista Ana Albuquerque, 35, mãe de Maria Alice, de três anos. “Toda semana, trago ela ao parque para brincar. É muito fácil a criança se acostumar a mexer no celular. Acho muito mais saudável que ela faça isso ao ar livre. Também cuido da alimentação. Ofereço sempre frutas e verduras e evito dar biscoitos e refrigerantes”, conta.
Os indicadores mostram que a obesidade infantil é um problema bastante democrático, na medida em que atinge meninos e meninas de todas as classes sociais. Mas a preocupação do Unicef é ainda maior quando a criança é de baixa renda e não tem acesso a serviços de saúde, esportes e lazer. É aí que entra a escola. “A alimentação escolar precisa ser levada em consideração. A prevenção da obesidade também pode ser feita dentro das unidades de ensino, com educação alimentar e espaços adequados para atividades físicas”, defende Jane.
No Recife, as 80 creches municipais, que atendem crianças de zero a três anos, têm cardápio balanceado. Diariamente, são oferecidas cinco refeições, priorizando frutas, legumes, carnes magras e raízes. “É uma maneira de apresentar esses alimentos aos alunos. Além disso, temos uma equipe que realiza quinze palestras mensais sobre educação alimentar nutricional nas escolas. Também mantemos contato com os pais através de reuniões, buscando conscientizá-los para que consigam manter os hábitos saudáveis em casa”, explica Synara Vieira, gerente de alimentação da Secretaria de Educação do Recife.
INDÍGENAS
Apesar do número de crianças afetadas pela desnutrição ter diminuído em todo o País nos últimos anos, os bons resultados não alcançaram todos os meninos e meninas. O relatório do Unicef lançado junto à campanha “Mais que promessas: compromissos reais com a infância e adolescência no Brasil”, chama atenção para a situação dos povos indígenas. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 30% das crianças indígenas são afetadas por desnutrição crônica (medida pela baixa estatura da criança para a idade). Entre os yanomamis, que vivem no Norte do País, o percentual supera 80%. os números mostram ainda que meninas e meninos indígenas têm mais de 2 vezes mais risco de morrer antes de completar 1 ano do que as outras crianças brasileiras.