solidariedade

Sorrir é o melhor remédio e os Doutores da Alegria provam isso

Em 27 anos de atuação, a organização já fez mais de um milhão de visitas a crianças em hospitais públicos com o programa de Palhaços 'Besteirologistas'

Maria Eduarda Bravo
Cadastrado por
Maria Eduarda Bravo
Publicado em 20/05/2018 às 9:30
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
FOTO: Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Leitura:

Todas as segundas e quarta-feiras, uma dupla de ‘doutores’ visita a ala de pediatria do Hospital da Restauração, no bairro do Derby, área central no Recife. Dificilmente alguém não sabe quem são os Doutores da Alegria, palhaços que se passam por médicos espalhando alegria e sorrisos entre crianças doentes ou terminais internadas do pronto-socorro até a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Mesmo assim, isso não significa que sabemos exatamente o que fazem, qual é a arte por trás daquela equipe de atores devotos a um ideal.

Atuando no Rio de Janeiro, São Paulo e na capital pernambucana, os agentes do riso, grupo formado por nove atores e atrizes, levam desde 2003 a alegria aos pacientes mirins, além de proporcionar descontração aos pais e profissionais de saúde.

“Às vezes as crianças passam tanto tempo que as relações ficam muito próximas. Há uma intimidade, confiança, abertura para uma relação de amizade, que faz que a gente sinta essa ausência. Elas são verdadeiros presentes na vida da gente”, diz Arilson Lopes, coordenador artístico do Doutores da Alegria no Recife.

 

Em 27 anos de atuação, a organização já fez mais de um milhão de visitas a crianças em hospitais públicos com o programa de Palhaços 'Besteirologistas'. Após o início das visitas, os Doutores da Alegria nunca mais mais pararam. Fundado por Wellington Nogueira, em 1991, em São Paulo, os Doutores da Alegria cada vez mais vão agregando artistas, profissionais, crianças e jovens. Tudo na base da força e poder da alegria. Foi a partir dessa combinação que os palhaços aprenderam o mais difícil, que é se preparar para trabalhar nessas condições e saber que o grande protagonista do momento será o imprevisto.

“A gente vai em busca do encontro como algo fundamental, sem saber se daquele encontro virá um sorriso ou uma lágrima, o olho que brilha, um dedo que mexe, isso para a gente é tudo. Às vezes não precisa da gargalhada fácil, mas da alegria que pode ser gerada a partir da criança, dos pais, acompanhantes, médicos, funcionários do hospital, de todas as pessoas que convivem no ambiente hospitalar”, sintetiza Arilson.

As ações ocorrem em todas os setores do hospital, exceto nos centros cirúrgico e pós-cirúrgico. Após o acolhimento no setor de pedagogia, os palhaços são encaminhados para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Ainda hoje, o contexto requer cuidado. A dupla de ‘doutores’ precisa ter a sensibilidade de só usar a parte de seu repertório para animar determinado paciente, já que cada um reagirá à dor de um jeito. O profissionalismo, ensaios e delicadeza não impedem que a emoção e o imprevisto aconteça, mesmo que de uma forma inesperada. O autocontrole é indispensável.

“Podemos até combinar, dizendo: ‘olha’ vamo fazer aquilo, fazer isso’ que mesmo assim não vai dar certo. De fato, essa cena é construída com a criança, pois é ela que dá todo o material para a gente construir o encontro. A partir da construção da cena, a lutar para não ficar uma coisa forçada, então é isso que eu me encanto mais no trabalho, essa coisa inusitada, aquilo que a gente não espera mesmo”, diz Marcelo Oliveira, que interpreta um dos doutores da alegria.   

POR TRÁS DA MAQUIAGEM

Nunca é descartada a hipótese de o sorriso recebido em uma semana não se repetir na seguinte, como em casos os quais uma criança que deixa o hospital sorrindo porque está indo para casa, enquanto os adultos sabem que ela não irá sobreviver por muitos dias. Ou em outro caso, no qual o paciente cujo tratamento foi tão longo que conheceu todos os componentes do grupo. A interação com ele era a alegria do dia, da semana. Os palhaços descobrem suas virtudes e começam a realçá-las durante os encontros.

“Não sabemos qual a situação do paciente, se ele fez algum procedimento, qual o humor dele naquele momento, a gente não sabe o estado que a criança vai estar, então tem sempre o ato de se reencontrar, de se reconectar. Acho que o palhaço e a criança de alguma maneira se comunicam mais diretamente sem muitos problemas, porque são espelhos um do outro, a criança se vê muito nessa figura”, diz Luciano. “Ela consegue ver que é um ser humano diferente, que usa roupas coloridas, que tem o nariz diferente, que se comporta e fala de um jeito diferente, mas sabe que é um adulto ali brincando de ser aquilo”, acrescenta.

Mesmo focados no público infantil, não há como não se envolver com os pais ou com os profissionais ali presentes. De acordo com Marcelo, a participação (que não é obrigatória) de médicos e enfermeiros nas brincadeiras estabelece uma relação de igual para igual com o paciente. Já com relação a família, que passa por um momento difícil, a presença dos doutores é uma oportunidade para um respiro, um certo conforto. No momento da visita, percebe-se que o próprio responsável faz questão que o filho seja visitado.

“Teve uma situação bem bonita com um pai, que estava fazendo carinho na cabeça do filho. Aí perguntamos: ‘Nossa, você sabe fazer cafuné, não é? Sabia que eu não sei, você poderia ensinar? E onde o senhor aprendeu a fazer cafuné?’. O pai olhou e respondeu: ‘com a doença do meu filho’. Essa é uma das histórias que contamos de ‘cara limpa’ para as pessoas”, desabafou Marcelo.

Os integrantes dos Doutores da Alegria sempre se surpreendem com o ‘poder mágico’ dos atendimentos às crianças doentes. Por mais experiente que seja, o ator Luciano Pontes fica encantado a cada visita que realiza.

“A gente constrói laços que uns são mais fixos, outros mais soltos, outros mais sólidos que permanecem por mais tempo. Existem crianças que a gente acompanha há mais de um ano, pois vivem nos hospitais e acaba existindo um laço. Mas terão outros que irão se desfazer, lembrando que todos terão a mais importância”, explica o ator Luciano Pontes, que há 15 anos participa como palhaço no projeto.“Eu acho que o palhaço é a forma mais dialética da criança lembrar que continua sendo criança, mesmo com dor. É esse laço que estabelece que ela está viva, é o momento dela dizer ‘esqueci que tenho isso e agora vou dar umas gargalhadinhas’. Por isso esse momento se torna um laço de conexão com seu próprio imaginário”, acrescenta.

RIR É O MELHOR REMÉDIO

Diz o ditado popular que "rir é o melhor remédio". Pode até não ser o melhor e, com certeza, não é o único, mas é garantido que funciona. Um levantamento realizado pelo Associação dos Doutores da Alegria nas três cidades que levam gargalhadas apontou evidências clínicas dos pacientes de melhora em 85,4% das crianças participantes dos encontros, segundo os próprios médicos que as acompanham. Além disso, 89,2% delas passaram a colaborar mais com os profissionais da saúde, 74% a aceitar melhor os remédios e tratamentos, 77% a se alimentar melhor e 96,3% ficaram mais à vontade no hospital.

Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
- Foto: Diego Nigro/JC Imagem
 

As próprias vestimentas usadas pelos atores contribui para a aceitação e identificação da criança. “A gente se coloca no mesmo patamar que as crianças. Somos dois seres totalmente inapropriados, calça rasgada, que tomba, tropeça, chora, então ela conecta com isso, não é aquele poder que o médico tem. A gente trabalha muito com a fragilidade, porque para o palhaço existir tem que colocar a fragilidade para fora”, relata.

E para quem pensa que os efeitos se limitam apenas à plateia, entre os médicos dos hospitais ouvidos, 45% afirmaram que a presença dos palhaços no ambiente hospitalar contribuiu para que a junta médica discutisse questões delicadas e sensíveis e 49% disseram que a equipe se tornou mais coesa. O estudo da Associação dos Doutores da Alegria ainda identificou que até a relação com a família se modifica: 90% se sentiram mais confiantes com o tratamento e 89% admitiram que começaram a brincar mais com as crianças após as visitas dos palhaços.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, detectou que rir diminui a dor em até 10%, devido à liberação de endorfina (o "hormônio do bem-estar"), que atua no sistema nervoso central, elevando a autoestima e reduzindo sintomas depressivos e de ansiedade. Já a universidade de Maryland, nos Estados Unidos, comprovou que risadas baixam a pressão sanguínea, favorecendo as funções musculares do coração, o que equivale a menos risco de infartos.

DOAÇÕES

Uma questão levantada por Arilson, é que muitas pessoas acreditam que os Doutores da Alegria funcionam através de serviços voluntários. Contudo, isso não é uma verdade. Pelo fato de se contratar apenas profissionais, o custo mensal necessita de patrocínio ou doações de pessoas físicas.“Muitas pessoas acham que os doutores realizam um trabalho voluntário, mas como todos os atores e atrizes são profissionais, eles também ganham por diária de trabalho, dos hospitais e nos encontros com todos às sextas-feiras”, explica Arilson Lopes, coordenador artístico do Doutores da Alegria no Recife.

Os atores que passam para a seleção da associação, durante um ano recebem uma diária, que vai aumentando a cada durante três meses nesse período. “Os profissionais são encaixados como prestadores de serviço, ou seja, podem exercer uma função além dos doutores. Mas para manter uma relação formal, realizamos um termo de compromisso, para que ele saiba que precisa comparar nos dias e horários marcados”, explica Arilson. “É um trabalho delicado, trabalhamos em hospitais públicos. É necessário de motivação que vá além de um salário”, acrescenta.

Para ser palhaço dos Doutores da Alegria é preciso ser profissional de Artes Cênicas, com prática na linguagem do palhaço (apresentar DRT de ator ou palhaço), e ter mais de 18 anos. Entre os critérios observados estão experiência artística e a compatibilidade com o trabalho no hospital. O processo contará com algumas etapas: análise curricular, oficina de seleção, teste prático no hospital e entrevista.

Além dos hospitais, os doutores participam de uma séries de ações que realizam em ambiente externo, justamente para a captação de recursos. Entre esses eventos, existem as palestras, participações em cerimoniais, aulas magnas, o riso 9000, que é uma ação que ocorre dentro de empresas, entre outras.

SERVIÇOS

Empresas que desejam fazer contribuições regulares ou únicas a partir de R$ 30 podem ser Sócias da Alegria.

A doação pode ser feita através do formulário da página inicial (preencher como pessoa jurídica) ou por meio da renúncia e dedução fiscal via leis de incentivo (Lei Rouanet, Lei Estadual do Rio de Janeiro e ProAC São Paulo), entrando em contato pelo e-mail socios@doutoresdaalegria.org.br.

Outras informações você confere no email: parcerias@doutoresdaalegria.org.br e no telefone: (11) 3061-5523.

Últimas notícias