HOMENAGEM

Abelardo da Hora: "A maior miséria é a falta de educação"

Comunista, escultor fez da sua obra um grito de luta a favor do povo. Em entrevista, ele fala sobre cultura e política

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 30/07/2014 às 10:45
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Comunista, escultor fez da sua obra um grito de luta a favor do povo. Em entrevista, ele fala sobre cultura e política - FOTO: Helia Scheppa/JC Imagem
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Por trás do senhor doce, guardado hoje dentro de sua casa, entre suas obras, há um artista politicamente combativo e fortemente defensor do povo, que despertou para o comunismo no Rio de Janeiro, em 1946. Quando saiu do Recife, logo após deixar a casa dos Brennand, Abelardo da Hora partiu para a então Capital Federal e lá criou a escultura A família, peça que entraria no acervo do Salão de Belas Artes carioca, não fosse a decisão do presidente Eurico Gaspar Dutra por suspendê-lo, naquele mesmo ano. Não teve evento, mas nascia ali, da revolta pela inúmeras pressões de um governo e pela monstruosa desigualdade que gritava pelo Brasil, um homem disposto a lutar através da arte e das armas – rompeu com o Partido Comunista Brasileiro quando este se recusou a fazer uma revolução bélica depois do golpe de 1964. 

Na escultura, na qual mãe e filhos agonizam na miséria e um braço erguido representa o desejo de mudança, Abelardo fez-se umas das vozes da geração que queria ver liberta a nação. Desejo que trouxe para o Estado natal e o fez erguer, com outros artistas, as bases do Movimento de Cultura Popular (MCP): ação política, cultural e educacional, de inserção do “povo” na sociedade, no período de 13 de maio de 1960 a 31 de março de 1964, dentro do governo municipal de Miguel Arraes. Com o sonho de transformar o Recife numa grande galeria de arte, Abelardo da Hora passou a dar aulas gratuitas de pintura, desenho e escultura no Recife. Ao mesmo tempo, foi usando seu trabalho para denunciar as misérias que o Brasil vivia. A seguir, confira depoimentos de Abelardo sobre cultura e política. 

AS BASES - “Fiz uma grande exposição na escola de engenharia. Artes plásticas, desenho, pintura, gravura, escultura. Levei o Coral Bach, dirigido por Geraldo Menutti, e uma esquete de Luiz Mendonça. No meio das autoridades, estava Miguel Arraes, secretário da Fazenda, do prefeito Pelópidas Silveira. Naquele tempo, eu já estava querendo fazer uma casa das artes, com artes plásticas, música e teatro.”

MCP - “Numa reunião, em abril de 1960, Arraes passou a palavra para mim. Eu li a estrutura do trabalho que vinha dirigindo desde 1950. Quando eu terminei de falar, Arraes passou a palavra ao professor Germano Coelho, que disse que o projeto lembrava um movimento francês, visto por ele em Paris. Segundo ele, lá, se você queria desenhar e pintar, ia para artes plásticas; se queria cantar ou tocar, ia para música, etc. Esse movimento era conhecido como Povo e Cultura. Então, Arraes bateu com a aquela mãozona de matuto na mesa e disse: ‘Aqui a gente vai chamar de Movimento de Cultura Popular’. Aí todo mundo ficou de pé e bateu palma. E ficou criado o MCP. Depois disso, fui nomeado Diretor de Sítio e Jardim da prefeitura, para colocar em prática meu projeto, que propus no governo de Pelópidas da Silveira, de transformar o Sítio Trindade em um Parque de Cultura. Restaurei o local, fiz um teatro e transformei o sítio na sede do MCP. Eu fiz parte do conselho de direção, junto com Geraldo Menutti e Luiz Mendonça. Representávamos a parte de cultura do Movimento de Cultura Popular; e o grupo católico, que cuidava da educação, era liderado por Paulo Freire. Nesta mesma época, fiz 22 desenhos sobre a situação de miséria da cidade. Era Meninos do Recife. Sobre a fome e a pobreza que esse meninos viviam.”

VIVA O POVO - “Quando você pega um trabalho, seja desenho, seja escultura, e manifesta nele a situação de vida da população, você está educando politicamente. É um protesto que você faz. Quando eu faço essa exaltação da criatividade popular, fazendo por exemplo Danças brasileiras de Carnaval, mostrando a maravilha da criatividade popular, transformando em desenho algo que é passageiro como o Carnaval e deixando gravado em desenhos, ou alguns quadros, como eu fiz a série é Hora de brincar, tudo isto é uma maneira de mostrar como foi a vida, é uma maneira de educar sobre a atividade de brinquedo. É uma aula.”

GOLPE MILITAR - “O Golpe Militar, quando veio, levou tudo. Entraram no Sítio Trindade com um tanque, pegaram metade das cartilhas e do álbum Meninos do Recife, levaram para a Praça da Independência e tocaram fogo. Eu senti a revolta e repulsa de tudo que o golpe fez. Foi um golpe estúpido. Eram bandidos envolvidos dentro do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que promoveram isso, servindo aos americanos. Inclusive tinha frota americana aqui. Esse governo imperialista dos americanos vem infelicitando o mundo até hoje. Esse Obama que tá aí é o melhorzinho de todos eles, mas ainda não é flor que se cheire.”

SETENTA PRISÕES - “Eu fui preso 70 vezes. Somente lutando pelas interdições das armas nucleares, fui preso umas 30 vezes. Mas também briguei pelo monopólio estatal do petróleo. É por isso que a Petrobras está aí montada, é por isso que os donos do petróleo do mundo saíram daqui e a Petrobrás está enriquecendo o País. O Brasil não é mais aquele de 20, 30 anos atrás. É completamente diferente. E Luiz Inácio Lula da Silva é melhor presidente que já passou por aqui. Por que foi operário, dirigente de sindicato e para mim é doutor honoris causa em política, porque dirigir um sindicato e mandar uma cidade com São Paulo parar – e para –, precisa ter muita liderança. Ele é um líder político espetacular. O País está conhecido e respeitado no mundo, atualmente, por causa de Lula. Sou comunista, fui da diretoria estadual do Partido Comunista e digo, com toda satisfação, que ele foi o maior presidente que o País teve desde que me entendo por gente.”

MISÉRIA - “O Brasil ainda tem muita coisa para se resolver. A maior miséria é a falta de educação. Você vê que fábricas maravilhosas estão sendo implantadas aqui, mas ficam sem puder funcionar direito, por falta de mão de obra. Ninguém tem curso técnico suficiente para tomar conta de várias áreas em fábricas que estão chegando. Isso é uma tristeza. A falta de educação é a pior miséria que o País tem. A maior doença. E a falta de saúde se resolve também com educação. Um povo bem educado deixa de fazer uma porção de doidice que gera doença.”

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