A impressão é de que sempre havia um sorriso espremido entre os lábios de Tomie Ohtake. Ela usava poucas palavras, os gestos também eram contidos. Grandiosa era a arte de Tomie. Uma das mais importantes representantes da arte brasileira morreu quinta-feira (12/2), em São Paulo, aos 101 anos.
Internada no Hospital Sírio-Libanês, desde o dia 02, para tratar-se de uma pneumonia, ela chegou a ter a alta médica marcada para a terça-feira (10/2). No entanto, sofreu uma grave broncoaspiração com alimentos e, em seguida, teve uma parada cardíaca. "É com grande tristeza que o Instituto Tomie Ohtake comunica o falecimento da nossa querida patrona", lamentou, em nota, a instituição. O velório acontece nesta sexta-feira (13/2), no instituto, até às 14h. Depois, o corpo será cremado em cerimônia reservada à família.
Com pensamento semelhante ao de Nietzsche – que definia a arte como algo essencial para o enfrentamento da realidade - Tomie declarou: "a arte é uma forma de expressão muito sofisticada, pois é feita sem que haja uma utilidade prática. É necessário que o desenvolvimento humano seja muito abstrato, ter um pensamento fora dos parâmetros normais".
Mestre na exploração de formas e cores num estilo abstracionista livre, em que tanto a geometria quanto a natureza se prestavam como referências, a artista japonesa Tomie Ohtake nasceu em Kyoto, no Japão, e vivia no Brasil desde 1936. "O Brasil tem sol muito claro. Quando saí do navio, olhei para o céu e senti cheiro de amarelo. Ali, gostei do Brasil".
Ela só começou a pintar profissionalmente quando tinha 40 anos, após ter criado os dois filhos, os arquitetos Ruy e Ricardo. Naturalizou-se brasileira aos 55 e se tornou um dos maiores nomes da arte abstrata no País. Vivia imersa em sua arte: na casa-ateliê de aspecto modernista onde morava, projetada pelo filho Ruy, no bairro Campo Belo, em São Paulo, ela mandara instalar uma cama de solteiro, ao lado das telas, para poder vê-las já quando acordava.
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Também fazia gravuras e esculturas - muitas de grandes dimensões, instaladas em espaços públicos. Nas telas mais recentes, usava poucas cores, destacando o branco, o vermelho, o azul e algum amarelo, criando jogos de luz e sombra. Ao tornar-se centenária, declarou: "Aos 100 anos, a única coisa que posso fazer é arte".
Tomie participou de cinco edições da Bienal Internacional de São Paulo, conquistou 28 prêmios, fez mais de 50 exposições individuais e 85 coletivas, no Brasil e no exterior.
No Recife, a obra da artista esteve em exposição, em 2010, no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, com a mostra Tomie Ohtake – pinturas, esculturas, gravuras. Apresentava a trajetória da artista, com gravuras produzidas por ela desde 1968 até obras recentes. Uma grande pintura, feita em 2001, era aqui exibida ao público pela primeira vez, quase dez anos depois de ter sido criada.
Em 2008, a Galeria Mariana Moura trouxe Colheita da cor, formada por uma escultura e uma instalação com seis gravuras. As obras fizeram parte de uma exposição homônima maior, realizada três anos antes, na Galeria Nara Roesler (SP). Em 1972 e 1987, na extinta Artespaço (também da galerista Nara Roesler), houve duas mostras que se restringiam à gravura.
"Tomie ocupa lugar especial dentro do nosso panorama artístico e a contribuição dela para a cor e o gesto apurou o nosso olhar", declarou o curador Agnaldo Farias.
Ela, que sempre gostou de acompanhar a produção de artistas mais jovens, vinha saindo pouco nos últimos tempos. Mas não abria mão dos almoços dominicais em sua casa-ateliê, encontros festivos e considerados sagrados pela família e pelos amigos. Trabalhou até os seus últimos dias. "O comentário que eu posso fazer é uma palavra só, em maiúsculo: BEIJO TRANSUNIVERSAL!!!", publicou, no Facebook, o filho Ruy Ohtake. "Beijo trans-universal que atravessa o universo. Foram meses muito ricos. A vida dela, pela vitalidade que ela sempre teve, o vigor que ela sempre teve. Ela queria ter alta do hospital para continuar trabalhando".