No manifesto Inventário do Nosso Feudalismo Cultural, publicado em abril de 1968 neste Jornal do Commercio e assinado por diversos autores (incluindo os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil e o poeta Jomard Muniz de Britto), os tropicalistas se apresentavam a favor de uma “instauração de novos processos criativos” que envolviam “a utilização da cultura de massa (rádio, TV, etc)”. Posteriormente, em 1970, na série Inscrições em Circuitos Ideológicos, o artista plástico Cildo Meireles ressoava estas intenções ao grafar numa garrafa de Coca-Cola: “qual o lugar da arte?”.
Essas questões atravessam o livro Arte-Veículo: Intervenções na Mídia de Massa Brasileira, da pesquisadora Ana Maria Maia, lançado hoje, às 19h, na Galeria Maumau com distribuição gratuita. O lançamento terá debate com a autora e uma exposição, formando a ocupação entitulada A Média com A Mídia.
A obra é fruto de uma longa pesquisa iniciada em 2015 com apoio da Bolsa de Estímulo às Artes Visuais da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Ana Maria Maia propõe uma reflexão sobre o uso da imprensa como esfera pública para a arte, reunindo relatos e documentos que deflagram o encontros e articulações das gerações presentes com diversos modos de ocupação e subversão midiática.
O livro parte do “lugar por fazer”, nos anos 1950, com as colunas do modernista Flávio de Carvalho no Diário de São Paulo e a reforma gráfica do Jornal do Brasil por Amílcar de Castro e Reynaldo Jardim. Caminha pela “disputa do lugar”, entre 1968 e 1982, com a arte-classificado e arte-postal da dupla Paulo Bruscky e Daniel Santiago e Inserções em Jornais de Cildo Meireles e o quadro de entrevistas de Glauber Rocha no Programa Abertura. E vai até o período da redemocratização do País, em 1985.
Um caso que chama atenção é TV Studio, programa de calouros apresentado pela artista visual Márcia X e Silvio Santos, em dupla. O júri do show era formado por uma bancada in loco mais um segundo júri fora do ar, que, composto por críticos e artistas, recebia um formulário com notas a serem distribuídas entre os candidatos. A junção de ambos representaria, de acordo com escritos da artista, "uma intersecção entre a arte contemporânea e a cultura popular", de modo a "tornar identificáveis as mitologias e fundamentos onde estas manifestações artísticas estruturam sua linguagem".
A discussão que interliga todos esses artistas são é: como subverter consensos da circulação e comunicação contemporânea? De certo modo, cada um trata dos limiares e paradoxos da relação arte e vida. É uma tentativa de esticar as margens e reinventar as possibilidades, como se percebe na entrevista de Jomard Muniz de Britto concedida em 1979 e citada no livro. O escritor e professor de jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (à esta altura já compulsoriamente aposentado pelo AI-5 da Ditadura Militar) afirma que sua vertente artística procurou: “jogar nesse ‘mar de rosas o vírus da desobediência, da negatividade, da divergência em face das projeções e estímulos oferecidos pelo Sistema”.
A exposição tem curadoria da autora em parceria com Priscila Gonzaga e Lia Let ícia. Além de alguns dos projetos citados no livro, contará também com um expoente pernambucano dos anos 2000: o Cartão de 30, apresentado por Anderson Lucena na extinta TV Capibaribe e mais um vídeo inédito.
SERVIÇO
Ocupação A Média com a Mídia: lançamento do livro Arte-Veículo: Intervenções na Mídia de Massa Brasileira
Hoje, a partir das 19h, na Galeria Maumau
Rua Nicarágua, 173, Espinheiro
Gratuito
Fone: 3221-7900
