Exposição

O pouco conhecido lado gráfico experimental de Zé Cláudio

Produção dos anos 1960, há muito esquecida, vem à tona no Mamam sob curadoria de Clarissa Diniz

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 30/08/2017 às 5:27
Felipe Ribeiro / JC IMAGEM
Produção dos anos 1960, há muito esquecida, vem à tona no Mamam sob curadoria de Clarissa Diniz - FOTO: Felipe Ribeiro / JC IMAGEM
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É do amigo Francisco Brennand uma das melhores definições da pintura tórrida de Zé Cláudio. “Ninguém, em Pernambuco, trata tão bem as paisagens, a natureza, as gentes como ele”, diz o artista, sobre o colega que, em sua opinião, é o melhor cronista da luminosidade tropical pernambucana – o pintor que, depois de temporadas estudando belas artes na Europa e com verbetes da arte moderna paulistana, como o Di Cavalcanti de quem foi assistente diário, voltou a Pernambuco, no final da década de 1950, para banir com a luminosidade quente da terra o excesso de segurança racionalista e estética europeia em sua pintura. Hoje, com a abertura da exposição Carimbos, no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam), o público terá acesso a uma fase de José Cláudio que, se desavisado, nem o próprio José Cláudio reconheceria.

Carimbos, a exposição, é fruto de um esforço não apenas intelectual, mas quase arqueológico da pernambucana Clarissa Diniz. Há dois anos, quando, ao lado do veterano Paulo Herkenhoff, montou a exposição “Pernambuco Experimental” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAR), onde atua, a curadora buscava obras que pudessem comprovar vigorosos pontos de desvio na trajetória eminente e consagradamente figurativista da arte moderna pernambucana. Lembrou dos carimbos de que tinha apenas ouvido falar e convenceu Zé Cláudio a abrir gavetas: além de desenhos em bicos de pena há muito abandonados, lá estavam alguns dos carimbos talhados em borracha, uns poucos deles expostos na exposição do MAR.

Agora, com o esforço da curadora e da neta do artista, Natália Ribeiro, as gavetas de Zé Cláudio foram de novo escavadas e mais de uma centena de obras experimentais sobre papel de grande acento gráfico voltam à tona. Justamente o experimentalismo gráfico adotado e abandonado pelo artista das figuras nos anos 1960. “Nem sabia mais direito onde eles estavam”, ele conta. “Era lúdico mesmo. Não fiz menção a nada que fosse figurativo”, diz Zé, cujas composições, além do ritmo óptico, chamam a atenção como fluxos de um pensamento não ainda totalmente racionalizado.

“(Nesse momento), ele tava retomando a pintura. Antes, na Europa, até por não poder carregar muito material de pintura, ele mais desenha, desenhos de bico de pena que ocupavam a prancha inteira. Essa sequência de trabalhos é o último momento dele em desenhos e na coisa mais gráfica, com coisas incríveis, com experimentação de várias linguagens”.

José Claudio vinha de uma experiência gráfica anterior. Quando voltou da bolsa de estudos na Itália para São Paulo, chegou a fazer teste para repórter de O Estado de S. Paulo. Acabou trabalhou na recém-criada seção de diagramação – o secretário de redação, Claudio Abramo, sabia que ele havia estudado gravura com seu irmão, Lívio Abramo. “O jornal, antes, era uma desordem, a linotipia não cabia nas páginas”, diz ele, que, cansado por estar fora depois de 10 anos, voltou para Pernambuco e, para casar, seguiu como diagramador em jornais como o Diário da Noite e o Jornal do Commercio.

Com o salário menor que a fome, se candidatou a desenhista oficial da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Riscou seus lápis entre 1960 e 1970 na Sudene. Num dos expedientes, precisou cravar relevos e plantas para mapas de um convênio de irrigação com o governo de Israel. Lembrou de carimbos de borracha que fazia quando criança. Recorreu a eles para imprimir copas de mangueiras e cajueiros, por exemplo. “O padrão era uma copa de coqueiro”, diz ele. Com o fim do trabalho, os carimbos foram levados para casa. “Não serviriam para nada”.

Zé Cláudio pintava as paisagens impressionistas de sua Olinda com força de república estética quando o amigo Moacy Cirne viu as experimentações e lhe informou que ele estava fazendo poesia-processo. “Eu nem sabia o que era poesia-processo, e até hoje, eu não sei”, ri ele. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, o movimento ganhava fôlego com a poesia visual liderada por nomes como Décio Pignatari, de quem, aliás, Zé Cláudio era amigo.

ALIENADO

Com a Bienal de 1954 radicalizando as trincheiras entre a arte figurativa tradicional e o novo abstracionismo, a arte contsrtutivista, gráfica, enchia os pulmões. Zé Cláudio expôs seus experimentos. Nunca em galeria e museus, contudo. Apenas na imprensa. “Os carimbos eram muito populares, mas não eram considerados artes plásticas”, lembra Zé que teve, em seguida, alguns de seus carimbos incluídos num livro de poesia visual editado pelo Ministério da Educação.

Os carimbos foram também um exercício de libertação ideológica. Zé Claudio ia se soltando dos cânones da arte engajada preconizados pelo Ateliê Coletivo de Abelardo da Hora. “Naquele momento, o experimentalismo era considerado alienação”, lembra Clarissa Diniz. A rara e (até agora) esquecida produção experimental de Zé Cláudio teve, ali, o incentivo entusiasmado de gente como o desenhista paulistano e espécie de seu mestre Arnaldo DortHa . “Ele chegou a dizer que tudo o que eu faria em pintura era apenas tinta desperdiçada”, gargalha José Cláudio.

Carimbos, de José Cláudio. De 30 de agosto (abertura) a 19 de novembro. Mamam. Rua Aurora, 265. Fone: 3355-6871.

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