O cinema brasileiro terá espaço reservado nas salas de aula do País. Quem garante isso é o artigo 8º, sancionado no final de junho e incluído na Lei nº 13.006, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Embora obrigatória, a exibição caminha a passos contados ao que depender das gestões públicas municipais e estaduais, que ainda precisam se adequar à nova demanda.
Para a cadeia produtiva audiovisual, a nova regra é vista de maneira positiva, já que os filmes produzidos no País devem ganhar, digamos, 190,7 mil novas salas de exibição. Este número representa a quantidade de escolas cadastradas no Ministério da Educação (MEC), das quais mais de 48 mil unidades de ensino não possuem aparelhos de DVD, enquanto pelo menos 43 mil escolas não contam sequer com uma televisão.
“Cada Estado e município pode optar por uma regulamentação própria, no âmbito de sua autonomia. Cabe destacar ainda que o MEC não é responsável pelo cumprimento da lei. O Ministério Público que deve fiscalizar o cumprimento de leis”, assinala comunicado do MEC sobre a decisão. A partir disso, a reportagem do Jornal do Commercio procurou as Secretarias de Educação do Estado de Pernambuco e do Recife para saber como a lei está funcionando por aqui.
No âmbito estadual, é possível observar um tímido, porém significativo avanço do binômio cinema-educação. Este painel sustenta-se, particularmente, graças às iniciativas da sociedade civil, em especial de produtores culturais e de cinema que propuseram, nos últimos anos, parcerias com a Secretaria de Educação do Estado. É o caso de projetos como o Fórum CinEscola e o CineCabeça, através dos quais a difusão audiovisual e a proposta pedagógica caminham de mãos dadas.
A produtora Andréa Mota, idealizadora de ambos os projetos, atua há cerca de 15 anos com este propósito. Ela nos conta como se dá o processo do caso do CineCabeça, por exemplo, que pensou junto a André Stamford: “O educador é também uma ferramenta de trabalho, já que o nosso fazer é disponibilizar o cinema à serviço da educação. A gente não trabalha com filme monótono, que é chamado de educativo, mas com filmes bons, que foram exibidos e que a gente acha que tem aplicação pedagógica. Então, apresentamos seis ou oito opções que têm a ver com o conteúdo trabalhado e são os educadores que decidem.”
Mais de 80 escolas estaduais, de sete municípios da Região Metropolitana do Recife, participam, a cada nova temporada, do CineCabeça, projeto que se divide entre atividades cineclubistas, formação audiovisual e exibição de filmes no Cinema São Luiz para uma média anual de 10 mil estudantes de escolas públicas. Já foram exibidas pelo CineCabeça as produções nacionais O mundo é uma cabeça, Cinema, aspirinas e urubus, Recife frio, Vida Maria, Saneamento básico, O palhaço, entre curtas e longas-metragens locais, nacionais e estrangeiros. Há ainda, ao final de cada edição, uma mostra competitiva com as produções cinematográficas realizadas pelos estudantes.
360 graus - Doc. EREM Eurídice Cadaval from cineCabeça on Vimeo.
No CineCabeça, a relação entre o aluno e o cinema é facilitada. Professora na Escola Estadual Henriqueta de Oliveira, em Jaboatão dos Guararapes, Ana Dark conta que a escassez de material didático nas escolas públicas abriu alas para o cinema enquanto ferramenta educacional. “Leciono alunos do 9º ano do fundamental ao terceiro do ensino médio. Sempre gostei de trabalhar com filmes, trazer para sala de aula e realizar debates. A gente costuma dar opções para os alunos e eles escolhem alguns. Com o CineCabeça, ficou mais fácil porque passamos a ter um olhar pedagógico sobre essas produções”, conta a educadora.
Selecionar os filmes a partir de um olhar pedagógico e planejar as aulas estão entre as principais preocupações dos especialistas na área. “Há pelo menos duas formas de o cinema entrar na sala de aula: uma, a mais danosa para a sociedade brasileira, quando entra como substituto do professor ou como simples dispositivo para compensar o buraco na ausência do professor. A outra é o cinema como espécie de mediação para que os alunos comecem a entender o mundo. Aí está a grande potência, até mesmo política”, explicou à Agência Brasil a professora e pesquisadora Ramayana Lira – integrante do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. De acordo com ela, a preocupação deve se estender, inclusive, ao direcionamento etário e a um possível potencial interdisciplinar da produção audiovisual.
O Fórum CinEscola busca sensibilizar os educadores para as possibilidades de diálogo entre o audiovisual e a prática pedagógica. A partir desta premissa, com a participação de educadores, realizadores e estudantes, são promovidos debates que estreitam as relações do cinema com a educação. A última edição do evento, realizada em outubro passado, promoveu palestras e debates nos municípios de Caruaru, no Agreste, Goiana, na Zona da Mata, e no Recife.
Sem permitir a abertura das escolas para a reportagem conferir como está a interação com o cinema na rede estadual de ensino – de acordo com a assessoria de imprensa, para não parecer campanha eleitoral –, a Secretaria de Educação de Estado resumiu-se a emitir um comunicado acerca de suas ações, a exemplo do projeto Cinema e Literatura, que capacita os educadores através da linguagem audiovisual. “Informamos que além das ações que a secretaria já realiza, também irá promover, desde já, a capacitações de professores das diversas disciplinas, com o objetivo de cumprir a lei nº 13.006”, assegurou a nota.
Nas escolas municipais, o caminho mais longo para a lei sair do papel é aquele que deverá ser percorrido pela Secretaria de Educação do Recife, que ensaia mais boas intenções que ações de fato. Ao ser questionado sobre a nova legislação, o secretário executivo de Tecnologia da Prefeitura do Recife, o professor Francisco Luiz Santos, foi pontual: “Confesso que me pegou um pouco de surpresa, porque eu não andava antenado com isso.” Segundo ele, a PCR constrói um projeto batizado de Rede de Aprendizagens, que ainda se encontra em fase inicial de licitação, cujos dados não foram divulgados.
O mais próximo de atividades pedagógicas que envolvem a linguagem audiovisual na rede municipal de ensino pode ser visto na Escola Sede da Sabedoria, no bairro de Santo Amaro, onde foi construído, há cerca de dois anos, um minicinema, onde os alunos podem assistir a filmes em um projetor. O material exibido, no entanto, ainda é parco. Na sede da Gerência de Tecnologia da PCR, há ainda uma videoteca espremida em saletas, cujo acervo é composto por mais VHS do que DVD, todos produtos didáticos disponibilizados pelo MEC através da TV Escola.