Completam-se, nesta quinta-feira (15/10), 75 anos da estreia de O Grande Ditador. Foi em 15 de outubro de 1940 que Charles Chaplin estreou sua obra-prima. Naquela época, Adolf Hitler já invadira a Polônia na chamada blitzkrieg e o nazismo avançava triunfante pela Europa. Seria apenas uma questão de tempo até que, após a destruição da base de Pearl Harbor, no Japão, em dezembro de 1942, os EUA entrassem em guerra contra o "eixo".
Chaplin havia feito seu último filme em 1936, Tempos Modernos. Qualquer cinéfilo que se debruce sobre sua carreira verá que ele filmou muito no período silencioso. Foram 13 filmes em 1915, nove em 1916, mas apenas quatro em 1917 e menos ainda, duas, em 1918. Não era bem uma questão de pane de inspiração. Chaplin, como criador, tornara-se mais exigente consigo mesmo. Demorou anos (anos!) para encontrar a solução do final de Luzes da Cidade, de 1931, quando as cega, recuperada a visão, descobre que o vagabundo foi seu benfeitor. Passaram-se cinco anos entre Luzes e Tempos Modernos, e mais quatro entre Tempos e O Grande Ditador.
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Para criar a dinâmica de seu personagem Carlitos na tela, Chaplin valera-se da própria velocidade com que os filmes eram projetados - 16 quadros por segundo. Isso produzia uma aceleração da imagem que ajudou a tornar o vagabundo divertido para o público que consumia cinema, esse novo "meio" (mídia) nascido na feira. O surgimento do som forçou a uma nova quadratura da imagem. Não mais os 16 quadros, mas 24 por segundo Chaplin teve dificuldade para se adaptar a esse novo formato. Reagiu quanto pôde ao cinema sonoro. Colocou trilha em Luzes da Cidade, criou um diálogo que não fazia sentido em Tempos Modernos. Mas, para O Grande Ditador, ele percebeu que precisaria da palavra.
O filme é sobre um barbeiro judeu que precisou ser hospitalizado em função de ferimentos que sofreu na 1ª Grande Guerra. Mesmo sofrendo de amnésia, ele recebe alta e se refugia no bairro judeu (no gueto). Apaixona-se por Hannah. Acontece que um certo Hynkel assumiu o governo de Tomania com um projeto insano - ele acredita numa nação puramente ariana e passa a discriminar os judeus. Para fortalecer seu projeto de dominação do mundo, Hynkel negocia um acordo com Benzino Napaloni, que também governa ditatorialmente um país vizinho. Hynkel e o barbeiro são sósias, e o segundo assume o lugar do primeiro. Na hora H, o barbeiro usa a rádio para discursar. E o que ele fala tem, até hoje, o valor de um testamento - o testamento humanista de Charles Chaplin.
Você encontra o discurso no YouTube, com legendas em português. É uma peça que prega o fim do ódio e da discriminação, que acena com um futuro de esperança. É de chorar, de tão belo. Em 1940, os nazistas já haviam iniciado a solução final que levou ao extermínio de 6 milhões de judeus nos campos de concentração. Os judeus já vinham sendo perseguidos, cassados de seus direitos. Chaplin foi pioneiro na denúncia do horror. Tomou partido contra Hitler e as perseguições raciais do nacional-socialismo. Anos mais tarde, justamente o discurso do barbeiro, travestido de ditador, foi usado contra ele durante o macarthismo. Seria "antiamericano", "comunista". Para fugir da lista negra, Chaplin exilou-se na Europa. Foi morar na Suíça, onde morreu, no Natal de 1977.
O Grande Ditador tem cenas antológicas. O encontro de Hynkel e Benzino Napaloni, que reproduzem Hitler e o italiano Benito Mussolini. A cena inesquecível em que o ditador brinca com o globo terrestre, como se fosse uma bola. E o discurso, claro, que termina em chave intimista, quase numa conversa entre o barbeiro e Hannah, que o ouve, à distância. Hannah é Paulette Goddard, com quem Chaplin foi casado.
Em mais 26 anos de cinema, Chaplin faria só mais quatro filmes - M. Verdoux, Luzes da Ribalta, Um Rei em Nova York e A Condessa de Hong-Kong. Foi um dos maiores gênios do cinema. Cada espectador é livre para escolher o "seu" Carlitos. O barbeiro não é mais o vagabundo. A estética de Chaplin estava mudando, mas o gênio permanecia. A idade cai bem nas obras que o tempo respeita. O Grande Ditador é intocável.