Se a areia carrega o simbolismo daquilo que já passou, seja em ampulhetas ou em ventos que a levam, a alagoana Nara Normande a enxergou como mecanismo para trazer de volta tempos que a moldaram, resgatando ainda afetos que nunca deixaram de estar dentro de si. É assim que surge Guaxuma, premiado novo curta-metragem da cineasta radicada no Recife há 20 anos, se utilizando dos grãos abundantes no nosso litoral para evocar as memórias de sua relação com uma amiga, solidificada na beira do mar, na praia que dá nome ao filme.
A vontade de transformar os sentimentos e recordações de Guaxuma em narrativa sempre esteve sedimentada na mente de Nara, cada retorno para o local reforçava isso. Há oito anos, quando sua amiga Tayra Macedo, co-protagonista do filme e de suas memórias, perdeu a vida em um acidente de moto, Nara decidiu que precisava fazer um filme sobre o lugar. "Narrativamente, eu queria falar muito sobre as emoções dentro da infância e da passagem para uma vida adulta. Das brincadeiras às coisas trágicas, passando pelo amor, tudo isso que a gente sente nesse turbilhão de emoções", afirma.
A primeira versão do roteiro foi escrita em 2011, carregando a narração feita pela própria Nara, que teve seu texto como elemento de partida para as outras partes do projeto. Com a construção da trama, também surgiam as previsões das imagens que ilustrariam esse texto e, por consequência, as técnicas a serem utilizadas em sua confecção. "A animação veio logo primeiro porque eu queria trabalhar técnicas diferentes para poder dar o sentimento de memórias que não temos controle, abstratas ou claras, além de trazer a areia para dar a ideia do tempo", conta Nara.
Moldando as areias
Ao total, são três técnicas utilizadas, todas tendo areia como base: animação em areia 2D, pincelando grão por grão a cada quadro em um vidro retroiluminado; escultura com areia molhada, usando um tipo especial kinética e animação de stop-motion com bonecos, filmados na praia e com iluminação natural. Essa produção in-loco trouxe seus desafios, pela impossibilidade de se controlar a natureza. Estudos foram necessários, desde observações sobre tipos de lua, condições climáticas e marés. “Teve dia que planejamos onde a lua iria nascer, mas acabou que ela surgiu um pouquinho mais para a esquerda, precisando mexer em tudo, uma confusão” ilustra Normande.
A complexidade desses processos de produção acabou estimulando a formação de uma equipe internacional, com anos de experiência e trabalhos em grandes obras nas costas. As portas no exterior foram abertas com o Sem Coração, seu trabalho anterior, conseguindo uma co-produção com a francesa Les Valseurs, além de sete incentivos, possibilitando trazer as pessoas para a produção.
Uma das primeiras procuras foi a de alguém que pudesse realizar a animação com areia. Em terras portuguesas, conseguiu trazer para o time Abi Feijó, fundador Associação Internacional do Filme de Animação (Asifa), referência mundial nas animações deste tipo. Dessa forma, a produção se dividiu entre Pernambuco, Alagoas, França, Portugal e Canadá, onde entrou o designer de som Normand Roger, já trabalhando em cinco filmes indicados ao Oscar.
Por falar em Oscar, Guaxuma está qualificado para a premiação ao ganhar o prêmio de curta documentário no Festival Internacional de Cinema de Hamptons (HIFF). Também conquistou o troféu de melhor curta-metragem no Festival de Gramado, outros três no Festival de Brasília, além do Festival Internacional de Animação de Ottawa, na categoria filme narrativo.
“Exibir na cidade, no São Luiz, principalmente no Animage, que ajudei a construir, é a parte mais emocionante. Grande parte da equipe, família e amigos estão aqui. O público tem recebido muito bem, trazer ele pra cá é o melhor", conclui Nara. Guaxuma dá inicio a programação do Animage, terça-feira (16), no Cinema São Luiz, às 20h30.