Crítica

Irmãos Coen revisam os mitos do faroeste em 'A Balada de Buster Scruggs'

Dos roubos de bancos aos duelos, os Irmãos Coen subvertem e homenageiam as narrativas do faroeste com suas veias autorais; confira crítica

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 10/12/2018 às 9:22
Foto: Netflix/Divulgação
Dos roubos de bancos aos duelos, os Irmãos Coen subvertem e homenageiam as narrativas do faroeste com suas veias autorais; confira crítica - FOTO: Foto: Netflix/Divulgação
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Já é bem clara a habilidade dos irmãos Joel e Ethan Coen em conseguir assimilar seus trejeitos narrativos em obras de diversos tons, dos mais intimistas dramas às mais surreais comédias, assim como um constante desejo em subverter mitos e imaginários dentro da própria produção cinematográfica. Fizeram assim em 2016 com Ave, César!, desconstruindo e brincando com figuras clássicas dos anos dourados de Hollywood e agora o fazem em termos mais narrativos com The Ballad of Buster Scruggs (A Balada de Buster Scruggs), vencedor do melhor roteiro no Festival de Veneza e lançado direto na Netflix.

Em uma estrutura de várias tramas independentes, os Coen entram pelas searas do mítico faroeste, tanto como gênero cinematográfico como imaginário popular, um terreno perfeito para as encenações de uma violência ridicularizada e um cinismo moral típico na filmografia dos irmãos. São seis contos, protagonizado por nomes como Liam Neeson, James Franco, Tom Waits, Tim Blake Nelson e Brendan Gleeson, que se veem em tramas de assaltos, duelos, busca por ouro e amores improváveis, todos revisados e colocados no escopo realisticamente absurdo dos diretores.

Velhos mitos, novos rumos

Para essa empreitada, eles fazem questão de afirmar bem plasticamente que o espaço e a atmosfera é a mais clássica possível. Com a fotografia de Bruno Delbonnel e a trilha de Carter Burwell, as paisagens ganham contornos um tanto quanto místicos, mesmo que ancorados em um real ora árido, com rochas e areias, ora bucólico ao trazer vales e rios, sempre donos de diferentes esplendores. Mas, ainda assim, a direção dos Coen também realiza quebras de convenções visualmente, para além das narrativas, como é visto no duelo filmado em um plano bem fechado, focado na reação de um participante, sem os tradicionais cortes alternando as visões para criar tensão.

Tendo como liga esse desejo de quebrar expectativas e convenções, A Balada de Buster Scruggs se permite variações nos tons de suas seis histórias, fazendo algumas mais musicais e divertidas, e exemplo a de abertura que leva o mesmo nome do filme. Outras carregam em si uma melancolia sutil que vai escalando até se tornar tensão, como visto no fragmento que conta com Liam Neeson e com o belíssimo trabalho de Harry Melling, carregando uma voz forte, mas pacífica, além de um olhar soturno, naquele que talvez seja um dos personagens mais fascinantes da obra.

Personagens e histórias fascinantes são realmente necessárias ao se levar em conta a estrutura de antologia adotada. O tempo reduzido para cada histórias, umas mais, outras menos, traz limitações no nível da profundidade do laço criado entre público e personagens, precisando que a empatia seja construída da forma mais econômica e eficiente possível, sendo felizes na maioria das vezes nesse sentido. Consegue fazer isso com a simpatia e as cantorias no Buster Scruggs de Tim Blake Nelson, na solidão dos personagens de Zoe Kazan e Tom Waits, mas perde força no último segmento, que até deixa claro suas intenções de tensão, mas não consegue se igualar aos outros trechos.

Mesmo assim, o revisionismo do faroeste, como um dia já fez Sergio Leone de forma mais séria e rigorosa, é realizado com o vigor autoral dos Coen, para a comédia violenta, drama e pontos de encontro entre ambos. O companheirismo, os heróis virtuosos de gatilho rápido, o romance de longas viagens e as salvações que vêm ao último minuto, tudo está lá para ser destruído, arrancando risos nervosos e desconfortos que acabam com qualquer desejo de se reviver os tempos das diligências e cowboys.

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