MOV

Festival MOV preserva pluralidade em meio à turbulência

Em sete dias de exibições no Cinema São Luiz, o Festival de Cinema Universitário promoveu uma verdadeira balbúrdia de imagens, vozes e expressões

João Rêgo
Cadastrado por
João Rêgo
Publicado em 15/07/2019 às 16:15 | Atualizado em 08/07/2020 às 14:34
Divulgação
FOTO: Divulgação
Leitura:

Só de acontecer, a quarta edição do MOV – Festival Internacional de Cinema Universitário de Pernambuco já ganha contornos relevantemente políticos. Em um momento turbulento para as universidades públicas do país, os sete dias de exibições no Cinema São Luiz trataram não só de buscarem resoluções, mas, sobretudo, preservar um ambiente aberto à pluralidade.

Sintetizando isso desde a abertura, o documentário Onde Começa um Rio foi o primeiro filme a ser exibido. O longa disseca a coletividade das ocupações universitárias em 2016, dando voz às individualidades dos seus agentes. Processo que se acentua ainda mais em um dos primeiros curtas exibidos, Eleguá (RJ), de Yuri Dantas. Toda sua mise-en-scène parece ser talhada numa iconografia própria do cinema negro, que recusa lentes hegemônicas dando lugar às afros centradas. A obra recebeu menção honrosa de Melhor Filme, além do prêmio Jogo de Cena.

O segundo dia de festival tratou de amalgamar heranças do Cinema Novo a olhares mais atuais. Não sob a ótica de certos experimentalismos, mas ao seguir uma tradição de aliar brasilidades a estruturas clássicas do cinema de gênero. Nesse tom, Espavento (CE) foi a grande obra da seleção, vencendo os prêmios de Melhor Criação de Atmosfera e Novo Olhar. Seu grande mérito é encontrar através da ficção científica um futuro distópico já presente. Não há mais espaço, por exemplo, para aquela ambiência pluralmente suja de clássicos como O Amuleto de Ogum (1974) ou Sem Essa Aranha (1970). A diretora Ana Francelino capta um Brasil-metrópole mórbido, unicolor e infectado pelo seu próprio desenvolvimento, onde corpos vagam, resistem, atiçam e reprimem seus desejos.

Destaque também para a segunda mostra da noite, talvez o maior acerto da curadoria em ordenar as exibições dos curtas. Indo das capas de jornais no período varguista e pré-golpe militar em Lacerda, o Corvo da Guanabara (RJ), até a autoconsciência documental da encenação política na TV, com Magalhães (SP) – vencedor do prêmio de Melhor Construção de Narratividade. Ambos anatomizam o Brasil através de um jogo político antigo que parece fatalmente se repetir. Para captá-lo hoje, na sequência, Taoquei (BA) e Frervo (PE) – vencedor do prêmio Destaque Pernambuco –, expuseram caminhos diferentes. O primeiro recusa toda polidez da política, dando lugar a um falso amadorismo calculado; o found footage que capta durante manifestações da campanha do presidente Jair Bolsonaro uma semiótica violenta ditada agora pelas telas do celular. Frervo se apresenta mais otimista. Assume esse espectro num extracampo que gradualmente vai reduzindo até o seu momento catártico: a elevação do transe intensificado pela performance de Libra (uma das diretoras do curta), que passa a ocupar todo o quadro.

Os destaques do terceiro dia preludiaram o que tomaria conta das mostras seguintes. A Sússia (TO), vencedor de Melhor Filme pelo júri ABD/PE, entrelaça sua diretora com o espaço que documenta, numa simbiose entre sua representatividade histórica e a da sua comunidade. Rebento (BA) e Copiloto (PR) atacam a masculinidade tóxica em vivências negras familiares – centralmente nas figuras paternas –, enquanto Coração do Mar (PE) discute o genocídio da população. Todos concebidos sobre estruturas dramáticas clássicas que vão se desconstruindo a partir do que querem contar. A exceção veio com o vencedor do prêmio de Melhor Filme, Impermeável Pavio Curto (MG). Bebendo na fonte de trabalhos como os do cineasta André Novais Oliveira, o curta encontra um jogo de elipses potentes dentro de um realismo dramático trivial, ressalte-se, essencialmente afrodiaspórico.

Por fim, assistir ao último dia de mostras foi como pôr os óculos do clássico Eles Vivem, e deparar-se não só uma ordem econômica predatória por trás da cidade, mas toda uma construção machista acompanhada. Todos os curtas buscaram atacar e discutir esses aspectos. Desde um experimentalismo desconstrutivo – abordando políticas de espaços diante de uma historiografia arquitetônica de apagamento feminino – em Afeto (RJ), Do Lar (PE), Sombra (PE) e Riscadas (ES), até a celebração final da harmonia de corpos lésbicos em Peixe (MG) (uma grata homenagem ao legado da cineasta Barbara Hammer, falecida neste ano).

PREMIAÇÃO INTERNACIONAL

No sábado, após a exibição do longa de encerramento Uma Juventude Alemã, além da sessão especial Usina da Imaginação FavelaNews, também foram divulgados os curtas internacionais premiados. No geral, os critérios seguiram a mesma política dos nacionais, prestigiando novos olhares galgados em desconstruções, seja nos argumentos ou nas estruturas cinematográficas convencionais. Victoria XXI (RUS) e Of Blood and Piss (CA), dividiram o prêmio de Melhor Filme. Sawsan (PLE), ficou com o de Melhor Criação de Atmosfera, enquanto Mother’s Day (HUN), o de Melhor Construção de Narratividade. Os prêmios Novo Olhar e Jogo de Cena foram, respectivamente, para os curtas A Mythology of Pleasure (GER) e Song of the Lovers (FRA).

Divulgação
Magalhães (SP) - Divulgação
Divulgação
Impermeável Pavio Curto (MG) - Divulgação
Divulgação
A Sússia (TO) - Divulgação
Divulgação
Happy Mother's Day (HUN) - Divulgação
Luiza Santana/Divulgação
Exibição no Cinema São Luiz - Luiza Santana/Divulgação
Luiza Santana/Divulgação
Público durante exibição - Luiza Santana/Divulgação
Divulgação
Espavento (CE) - Divulgação
Luiza Santana/Divulgação
Organizadores do festival - Luiza Santana/Divulgação
Divulgação
Frervo (PE) - Divulgação
Luiza Santana/Divulgação
Premiados - Luiza Santana/Divulgação

Últimas notícias