Documentário mostra Maria Bethânia 'com afeto e amor', diz diretor

Enredo da Mangueira em homenagem à cantora serviu de mote para o filme dirigido por Marcio Debellian

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Enredo da Mangueira em homenagem à cantora serviu de mote para o filme dirigido por Marcio Debellian - FOTO: Foto: Divulgação

Toda vez que a cantora baiana Maria Bethânia, 72 anos, compra algo bonito ou ganha um belo presente, sempre pensa a mesma coisa: “vou usar em fevereiro”. Para explicar o hábito que foi revelado no documentário Fevereiros, em cartaz a partir desta quinta-feira (31) e eleito o melhor filme do 10º IN-Edit Brasil, a artista canta um samba de roda famoso em sua voz: “Eu trabalho o ano inteiro (...) só pra passar fevereiro em Santo Amaro”.

Devota de Santa Bárbara e “apegada a Nossa Senhora”, Bethânia sai do Rio de Janeiro, onde mora, e vai para sua terra natal, Santo Amaro da Purificação, todo início de ano. O motivo é simples: acompanhar a procissão de Nossa Senhora da Purificação, no dia 2 de fevereiro. “Foi difícil passar um ano sem meu pai, sem minha irmã e dificílimo sem minha mãe, mas mais difícil ainda é não passar fevereiro em Santo Amaro”, justifica Bethânia, no documentário.

O ambiente familiar, religioso e as festas que marcaram a vida da cantora são mostrados no filme que tem como mote o enredo da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, que venceu o desfile de 2016 com o tema Maria Bethânia: A Menina dos Olhos de Oyá. A partir da homenagem, o diretor Marcio Debellian, 41 anos, teve a ideia de ir até o Recôncavo para conhecer de perto a história da artista que inspirou o enredo vitorioso.

Além da intimidade da família Veloso, questões históricas são costuradas à narrativa, como o surgimento do samba, a tolerância religiosa e o racismo. “Meu impulso de realização parte da Mangueira, mas a Mangueira escolheu um enredo que abre para o Brasil”, explica Debellian, ao CORREIO. O diretor, que também assina o documentário O Vento Lá Fora (2014), conta que Fevereiros parte deste fio condutor para mostrar “Bethânia e a família com afeto e com amor”.

Sincretismo

Exibido pela primeira vez no Festival do Rio, em 2017, o documentário reúne depoimentos de artistas como Caetano Veloso e a poeta Mabel Velloso, irmãos de Bethânia. Além deles, estão personalidades como o cantor carioca Chico Buarque, o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, e o historiador Luiz Antonio Simas, todos responsáveis por costurar a narrativa que transita entre o Rio e a Bahia.

“O surgimento do samba carioca deve muito à Bahia, aos baianos que vieram para o Rio trazendo seus sambas de roda e candomblés”, destaca o diretor que idealizou o filme em 2016, quando se comemoravam os 100 anos do primeiro samba gravado no Brasil, Pelo Telefone.  Assim, Fevereiros reforça o diálogo entre culturas, principalmente quando mostra o desfile vitorioso da Mangueira.

Do samba de roda ao samba carioca, de Iansã a Nossa Senhora, o cortejo escancara o sincretismo brasileiro. Até a imagem de quando a taça da escola vencedora chega na quadra da Mangueira fica parecendo “um andor sendo carregado”, compara Debellian, citando a estrutura que transporta imagens sagradas nas procissões.

“Acho que o Brasil é mais forte quando convive bem, quando é tolerante. O Brasil tem sua originalidade na mistura”, defende o diretor do filme que parte da vida de Bethânia para celebrar, ainda, as lutas e conquistas do Brasil. História essa que já rodou o mundo e recebeu a Menção Honrosa do Júri na competitiva Ibero-americana do 36º Festival Internacional do Uruguai.

“As lutas dos ancestrais têm que nos fortalecer. O samba nunca teve vida fácil, o candomblé nunca teve vida fácil, o negro, o índio... Mas é como diz o samba de Cartola: ‘Continuam nossas lutas, podam-se os galhos, colhem-se as frutas. E outra vez se semeia’”, finaliza o diretor.

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