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No prefácio de Big Jato, Xico Sá confessa a relação íntima da narrativa com suas memórias ao mesmo tempo em que provoca uma dúvida no leitor: aquilo ali é sim fruto das suas experiências, mas organizadas (ou desorganizadas) para fins literários. “Estiquei ao máximo a corda da verossimilhança. Quase no pescoço”, afirma, revelando e escondendo os limites dessa narrativa proustiana.
No livro, sua estreia como romancista, estão as suas lembranças e distorções do Cariri dos anos 1970, pano de fundo da história picaresca de Big Jato. O personagem principal da obra, o pai do narrador, chamado apenas de “o velho”, é um homem que vive com orgulho dos que os outros desprezam: os excrementos. Empreendedor, limpa com seu caminhão velho as fossas das cidades próximas.
É o completo oposto do seu irmão, um “veado, maconheiro e vagabundo”, homem que se gaba de não precisar trabalhar de sol a sol. “O trabalho danifica o homem”, diz o fã dos Beatles, trilha sonora onipresente na obra.
Dividido em capítulos curtos, o romance funciona a partir de tensão entre a influência dos dois personagens no menino, alter ego de Xico Sá. Aqui, o escritor se mostra um prosador habilidoso, mantendo no romance as tiradas tão famosas nas suas crônicas: diz, por exemplo, que a “primeira mulher é aquela que te humilha”.
A narrativa – que deve virar filme pelas mãos de Cláudio Assis – termina por se equilibrar entre memórias e invenções numa nostalgia bem-humorada. No fim, como o próprio narrador sintetiza, trata-se da história de uma despedida inevitável: “Viver é fugir do claro para o escuro e do escuro para o claro”.