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Vinicius de Moraes, um poeta indomável

O poetinha foi um dos mais múltiplos versadores da literatura brasileira, incapaz de caber no cabresto de movimentos literários

Diogo Guedes
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Publicado em 19/10/2013 às 5:15
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O poetinha foi um dos mais múltiplos versadores da literatura brasileira, incapaz de caber no cabresto de movimentos literários - FOTO: Reprodução
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Em todas as atividades que exerceu, como diplomata, poeta, músico ou boêmio, o carioca Vinicius de Moraes nunca largou a maior fonte do seu viver: a paixão. Se ainda aqui estivesse, completaria hoje 100 anos, regados, talvez, a muitas doses de uísque. Para comemorar a data, o Jornal do Commercio dá início hoje a uma série que homenageia o poetinha, uma dos ícones do Brasil do século 20. Até a terça-feira, serão abordados diferentes aspectos da sua vida e obra: a poesia, o amor pela bebida e pela comida, as inúmeras parcerias musicais, as amizades pernambucanas e os textos jornalísticos. Saravá, poetinha mais querido do Brasil.

Carlos Drummond de Andrade muito disse sobre a vida de Vinicius, mas a definição mais precisa do mestre mineiro talvez tenha sido sobre sua produção poética. O poetinha, para ele, tinha “o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (...) e, finalmente, homem bem de seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos”.

Se um dos maiores nomes da literatura brasileira precisava citar ao menos quatro períodos literários para tentar captar um pouco da verve do poetinha, é bom desistir de qualquer tentativa de simplificá-lo. Vinicius, o poeta, é tão diverso quanto possível, desde o seu começo na poesia metafísica, sob influência de Augusto Frederico Schmidt e do seu primeiro mestre, o conservador Otávio de Farias, até a coexistência entre os temas líricos, a preocupação formal e elementos modernos, posteriormente.

“A questão em Vinicius, a meu ver, não é a relação com a tradição ou com o modernismo. Era o fato de ele querer experimentar de tudo. Isso fazia parte do espírito inquieto dele. E não era só na literatura: ele casou com nove mulheres, todas diferentes entre si, os parceiros musicais todos foram de personalidades e estilos distintos. Ele viveu tudo, queria tudo. Era um insatisfeito, sem fronteiras e sem preconceitos”, explica ao Jornal do Commercio o biógrafo do autor, o jornalista e escritor carioca José Castello.

Não é por acaso que, para ele, o “poeta da imperfeição” é um modernista apenas cronologicamente. O pesquisador e professor da PUC-Rio Miguel Jost destaca essa independência de Vinicius de Moraes. “Ele é alguém que teve uma liberdade estética enorme. Ele aparece primeiro como um poeta que representa uma resistência ao que o modernismo havia proposto. Depois, tem uma transição, quando passa a incorporar parte dos pensamentos modernos”, aponta. Para a professora da Pós-Graduação em Letras da UFPE, Lucila Nogueira, ele e Cecília Meireles são dois nomes que escapam ao que se entende por modernismo. “Os dois fizeram uma espécie de ‘neosimbolismo’ que não tinha a radicalidade do movimento paulista”, comenta a escritora. “Existem os poetas que surgem para inovar e os poetas que surgem para dar continuidade – esse último é o caso dele”.

SONETO
Essa tensão entre elementos modernos, lirismo e cuidado formal pode ser vista em um aspecto da sua obra. O soneto, para ele, era “uma prisão sem barreiras, sem grades. Só dentro da prisão que ele encerra se pode atingir a liberdade maior”. Com a forma fixa, consagrou no imaginário brasileiro ao menos três de seus poemas: Soneto da separação, Soneto do amor total e, claro, Soneto da fidelidade.

“Ele redesenha o soneto dentro da tradição brasileira. Também avança em questões românticas, simbolistas. Isso acabou criando um problema, porque ele nunca se enquadrou dentro de nenhum escaninho existente. É por isso que, por muito tempo, ele não foi considerado parte do cânone dentro da universidade – só nos últimos 20 anos passou a ser devidamente valorizado como autor de envergadura maior”, explica Miguel Jost.

Os sonetos são um exemplo perfeito de como o lirismo encontra a grande pesquisa literária do autor – tal qual lembra Jost, as paixões e boemias de Vinicius de certa forma escondem sua dedicação ao labor poético. O carioca foi um grande leitor de franceses como Baudelaire e da tradição inglesa, especialmente dos sonetos de Shakespeare.

Castello acrescenta outra possível razão para o apreço pela forma: a formação no Colégio Santo Inácio, onde o poeta estudou. “Eu também estudei lá. Os padres gostavam muito de ensinar sobre sonetistas”, especula. “O que importa é que Vinicius, sem dúvida, é um dos maiores sonetistas da língua portuguesa”.

O poeta e ensaísta Carlos Felipe Moisés, autor de Vinicius de Moraes, literatura comentada, destaca que um dos traços da sua obra era a “conciliação dos contrários, a perfeita e paradoxal fusão de ordem e caos, instinto e razão, explosão emotiva e autocontenção”. “Para os mortais comuns, é isto ou aquilo, uma coisa ou outra, alternadas. Para o grande poeta, é uma coisa só”, ele define. “Os sonetos – exemplares em Vinicius – são um bom exemplo dessa coexistência ou fusão dos contrários”.

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