ENTREVISTA

Fernando Monteiro: "Não sei patinar na piscina de plástico da atual literatura"

O autor fala sobre a decisão de abandonar os romances e comenta as histórias ocultas que tanto o interessam

Diogo Guedes
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Publicado em 02/05/2015 às 5:03
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O autor fala sobre a decisão de abandonar os romances e comenta as histórias ocultas que tanto o interessam - FOTO: Reprodução
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A cabeça no fundo do entulho recupera a importância da prosa de Fernando Monteiro. Aqui, o autor fala sobre sua preferência pelas histórias escondidas do passado, sua recusa em ceder aos clichês e sobre como abandonou a escrita de romances, em protesto contra a padronização do mercado editorial.

JORNAL DO COMMERCIO - Vejo nas três histórias de A cabeça no fundo do entulho uma procura de uma história por trás dos fatos, uma vontade de revelar o que se esconde quando se fala de obras valiosas, da uma operação de espionagem fracassada ou da visita de um futuro Nobel ao Recife. Esse é um livro sobre esses mistérios que todas as histórias – policiais ou não – guardam? O que significa tentar entender o passado na ficção, para você?
FERNANDO MONTEIRO –
Sim, é um livro “sobre mistérios que todas as histórias (policiais ou não)” guardam como um ovo sem portas, um labirinto circular que faz alguém ir de volta ao ponto de partida – quando justamente está pensando que foi parar além do horizonte. Logo no início, de Roma, o leitor é convidado a cair no Atlântico noturno que inunda um hotel do Recife de cerveja morna servida com tira de gosto (argh!) de bolo de rolo oferecido a um prêmio Nobel, em Casa Amarela. O assunto será a chuva? Também. Há mortos e vivos três nas histórias e, principalmente, “um ato de arrependimento que é, talvez, capaz de mudar o passado”. Tive grande prazer ao escrever esse tal de A cabeça no fundo de todos os entulhos que abarrotam a vida de banalidade e importância, lixo e luxo de obras valiosas que não se pode levar para lugar algum – porque a vida, então, acaba: “de súbito anoitece” sobre guardas-sóis de praias fechados no inverno da desesperança. Ou não. Basicamente, seria isso.
 
JC – Outro ponto constante no livro é a presença de clichês, sempre hilariamente desconstruídos, mas quase sempre também inevitáveis. Falar contra a vulgaridade do mundo é uma das funções da sua literatura? Estamos ainda numa época tão vulgar quanto a de A cabeça no fundo do entulho?
FERNANDO –
Estamos numa época em que não mais podemos compreender Fred Astaire dançando in the dark. E ficamos sem isso, além de afônicos de poemas emudecidos, após chegados ao porto que não foi dragado na madrugada – porque a festa acabou. (Aliás, Paris não era uma festa. E o velho Recife nunca foi)... Ora, eu escrevi, a cabeça cheia, para poder rir das palavras inscritas no cérebro, quando ainda não havia Facebook para transformar a vida na gaiola do fantasma de um pássaro morto. Desse tema do pássaro, caminhei para o tema dos espiões de (falso) cinema assoviando as suas desconfianças de periscópio na bruma, de costas nas quais brilham as boias, as marinas tristes e as marés de afogados. Talvez meus temas, como romancista, fossem os mortos que fazem piadas com os vivos, vingando-se do vice-versa da situação, ETs etc.
 
JC – Você não escreve mais em prosa, mas seus livros têm sido relançados e ganhado nova repercussão ultimamente. Como é reler as narrativas que você fez anos antes? Sente algo estranho na sua escrita, relendo-a? Ou vontade de mudar algo?
FERNANDO –
Não sinto vontade de mudar nada. Se mudasse, eu acho que trairia alguma coisa daquele momento em que foi escrito como alusões para as sombras. Quando leio as reedições de agora (da brava editora Césárea), chego a rir e – até – ficar imaginando o que vai acontecer ao virar a página, como se vira a folha da vida quando um amor acaba ou quando a história de todos nós termina em silêncio de cegos que perderam a voz. Meu último romance foi sobre um cego – nunca escreverei “deficiente visual” – capaz de ver mais do que os peixes mais estranhos das águas profundas. Não sei patinar na piscina de plástico da atual literatura.
 
JC – Queria saber que temas têm lhe interessado agora na literatura. Sobre o que deve ser seu próximo livro? Será uma narrativa em poesia, como Mattinata?
FERNANDO –
Meu próximo livro é uma – permita-se o sinistro pedantismo – uma espécie de testamento literário (precoce?) em forma de caixa que contém outra caixa que contém mais uma caixa com um segredo que não é para se contar...

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