A trajetória do músico Siba é uma constante oscilação entre o interesse pela sonoridade pop alternativa, o mergulho na estética popular e a preocupação com a poesia de suas letras. A cada trabalho e show novos é possível ver como o artista recifense visitou cada uma dessas matrizes dessa sua carreira, sempre as reinventando e saindo desse processo reinventado também. O sucesso de crítica do disco Avante (2012), por exemplo, não o impediu de voltar, no último CD, De Baile Solto, a temáticas e ritmos populares. O lançamento do disco no Recife, neste final de semana, com shows na sexta e no sábado, no Teatro de Santa Isabel, reuniu um excelente público para conferir a nova fase.
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Siba, naturalmente, privilegiou o repertório novo nas apresentações. Misto de um show de rock com uma sambada de maracatu, ele e a sua banda buscam criar um ambiente mais cênico e mais informal para apresentação – um exercício nada fácil para um cantor tímido como ele, mas que não falha.
É um Siba que tenta deixar um pouco mais de lado o seu intimismo para voltar a pensar o mundo, especialmente através de seus problemas e da vontade de combatê-los. Até por isso, trata-se de um show tanto para ouvir atentamente como para se dançar – mesmo que o Teatro de Santa Isabel não fosse o espaço mais convidativo para o público se levantar e interagir com as músicas.
O ESPETÁCULO
Começou o show como faz no disco, com a canção política e crítica Marcha Macia, que, com sua métrica singular, se destaca justamente por evitar o caminho já conhecido do tom lírico do Avante. No show, como no disco, uma das tônicas é a das críticas políticas e sociais, tanto contra os desmandos urbanos na cidade e o fosso da desigualdade de renda e posses como, principalmente, contra o cerceamento das atividades artísticas e da cultura popular.
Já no fim do show, Siba pediu licença para falar sobre o desrespeito com a cultura popular – desde a época do Mestre Ambrósio, esta era uma militância cultural e artística sua. Na fala, comentou sobre a dificuldade de se definir o que é o maracatu da Zona da Mata. “Não tem uma palavra para o maracatu. ‘Manifestação’ parece algo instantâneo, que não tem sujeito; ‘raiz’ dá a entender que ele só está lá no passado; ‘folclore’ não é mais usada, mas pelo menos diz que é um ‘saber do povo’; ‘cultura popular’ vai por um caminho parecido, ao menos reconhece que o povo cria cultura”, filosofou.
Para ele, a definição mais justa é a que ouviu de mestres do maracatu, de que se trata de um “índio africano”. “Essa definição mostra porque o ritmo tem um lugar inferiorizado na nossa cultura. Nos anos 1930, o baque solto era proibido. Depois, foi obrigado a ficar igual, se padronizar. Recentemente, foi criado o absurdo de um toque de recolher para as sambadas. Agora, teve uma lei no Recife para proibir manifestações culturais depois das 22h”, protestou. “Isso é uma continuação do racismo e do preconceito. Os legisladores não gostam desse índio africano.”
O maracatu, então, recebeu, pelo menos nestas duas noites, um espaço de gala para ser valorizado, em discurso e estética. Ainda com direito a algumas músicas do Avante e do período do Siba e a Fuloresta do Samba, o show reitera como o músico é um dos melhores e mais maduros artistas pernambucanos atuais – não só em discos, mas ao vivo. E um bom sinal é que, como ele bem provou em De Baile Solto, está sempre pronto para explorar outros caminhos sonoros e temáticos.