ENTREVISTA

Confira a entrevista do Jornal do Commercio com o escritor Santiago Nazarian

Nazarian acaba de lançar seu mais novo livro, 'Negre Negra', no qual suspense, paternidade e surrealismo permeiam o que o autor chama de 'pós-terror'

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 27/08/2017 às 9:00
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Nazarian acaba de lançar seu mais novo livro, 'Negre Negra', no qual suspense, paternidade e surrealismo permeiam o que o autor chama de 'pós-terror' - FOTO: Foto: Divulgação
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O escritor brasileiro Santiago Nazarian lançou, na semana passada, seu mais recente livro. Intitulada Neve Negra, a obra marca a estreia do autor na Companhia das Letras e o coloca mais uma vez na lista dos autores contemporâneos que vêm se destacando no cenário nacional. Em entrevista por email ao Jornal do Commercio, o escritor falou sobre as temáticas que o fascinam e sua relação com o cinema, já que o livro nasceu com os direitos vendidos para uma produtora de audiovisual.

JORNAL DO COMMERCIO – Você já chegou a definir sua obra como sendo um “existencialismo bizarro”. Em Neve Negra há, entretanto, um forte elemento de terror psicológico. Como você definiria esse novo livro?
SANTIAGO NAZARIAN – Passei anos martelando esse “existencialismo bizarro”, que é a mistura de questões existenciais com cultura pop e horror. E na véspera de lançar o livro surge esse termo “pós-terror”, que é um terror mais denso, que traz questões mais profundas do que o puro susto, que relaciona o medo com uma crítica social. Então acho oportuno; Neve Negra pode ser visto como um pós-terror; e eu poderia ser visto como um precursor do pós-terror na literatura brasileira.

JC – Ainda falando sobre os elementos literários que permeiam o livro: encontramos em Neve Negra características tanto do fantástico quanto do surrealismo. Como é trabalhar a partir dessa linha tênue do romance ficcional, em que os aspectos existenciais das personagens são bastante explorados, mas onde também não se abre mão do folclore?
NAZARIAN – No Brasil há uma ditadura do realismo, não é? Parece que é o único caminho possível aqui, nos romances, nos filmes, nas novelas. E quando entra o fantástico parece que a obra se torna mais rasa, algo infantojuvenil, porque nossa tradição fantástica está aí. Sempre achei que a maior força do terror – seja na literatura ou no cinema – está em emular um pesadelo, penetrar no inconsciente e transitar nessa fronteira entre o real e onírico, aí está a densidade do terror psicológico, e foi isso que procurei fazer em Neve Negra. Acho que você captou bem, é um livro mais onírico, mais surreal do que propriamente fantástico. O folclore do livro, a lenda do Trevoso, esse espírito do mal que entra na casa na noite mais fria do ano, é uma ideia colocada para que o fantástico seja uma possibilidade, para que o real, o delírio e o sobrenatural se alternem dentro da trama.

JC – O personagem principal do livro, Bruno, é um típico exemplo do homem que tem prestígio pessoal e financeiro, é blasé e irônico com sua própria arte, mas também demonstra ser bastante conservador em relação às questões familiares e sexuais. Como se deu o processo de construção desse personagem e de que maneira ele dialoga com sua vida?
NAZARIAN –Ele é o Tony Stark do meu universo. Haha. Foi uma busca consciente de me afastar do personagem anterior, o André, de Biofobia, que era total loser, falido, fracassado, solitário. Se no livro anterior o personagem bebia toda a cachaça da casa, este já chega com garrafas de uísque importado. Este é um cara que deu certo na vida, e que se encontra em crise exatamente por isso. Conquistou tudo o que poderia e avalia do que vale tudo isso. Tem um pouco a ver com momento de vida sim, porque escrevi num momento de maior estabilidade financeira e emocional, num relacionamento longo, ainda que eu esteja longe de ter a vida que o Bruno tem. Meus personagens acabam sempre sendo meio escrotos, anti-heróis, talvez por carregarem meu sarcasmo. Eu gostaria de voltar a fazer um personagem mais “fofo”, apaixonante...

JCNeve Negra já teve seus direitos vendidos para o cinema. Como é sua relação com o campo cinematográfico?
NAZARIAN – 0 cinema é uma grande influência, principalmente de horror. Deve ter vindo daí o convite de escrever esse livro, com os direitos comprados de antemão. Não me preocupei tanto em fazer algo “adaptável”, mas acho que essa influência já confere naturalmente certo olhar cinematográfico ao livro.

JC – Você uma vez comentou sobre Kafka e A Metamorfose como sendo um de seus livros clássicos. Quais outros autores te formaram como leitor?
NAZARIAN – Me aprofundei mais na literatura brasileira no começo da idade adulta. Na adolescência minha paixão mesmo eram os clássicos: Oscar Wilde, Kafka, George Orwell,Thomas Mann, Herman Hesse... Depois é que veio João Gilberto Noll, Lúcio Cardoso, Marcelino Freire, Clarice [Lispector]...

JC – É possível encontrar algumas semelhanças com seu livro anterior, Biofobia. Assim como em Neve Negra há um personagem central masculino (ambos do meio artístico), que de certa forma volta para o lugar/a casa de sua infância e encontra a figura feminina de sua vida ausente. Essa narrativa é a que mais te fascina, com a qual você consegue dialogar melhor?
NAZARIAN – Meus livros em geral são muito diferentes entre si. E se eu tivesse tido mais tempo, teria feito um livro mais diferente. Neve Negra foi fruto de uma encomenda, logo após eu publicar o Biofobia; eu tinha o prazo de um ano para escrever, então ele acabou saindo mais parecido, até por estar num momento próximo de vida. Mas é uma outra visão; Biofobia é um livro que trata da imagem da mãe, Neve Negra trata da imagem do filho. A natureza em Biofobia é representada pela flora, aqui ela está presente na fauna. Eu poderia fazer um terceiro livro, tratando de outro aspecto dessa realidade, talvez com uma visão feminina. Mas quero ir para outra direção, para ter um desafio como autor.

JC - Você pretende trabalhar de alguma maneira na adaptação do livro para roteiro de filme?

Nazarian -Sim, a viabilização do filme ainda é incerta, mas por contrato eu tenho preferência como roteirista. Fiz isso no Biofobia, adaptei o texto para cinema em parceria com o Renato Ciasca e o Beto Brant, e foi um exercício muito bacana, uma possibilidade de ver a história de outras formas, de trabalhar outros aspectos da trama. Eu adoraria fazer isso com Neve Negra – e será um desafio encontrar solução para as passagens mais sexuais.

JC - Neve Negra marca sua estreia na Companhia das Letras. Como se deu esse convite e a saída da Record?

NAZARIAN - O convite foi da RT Features, para fazer o livro e vender os direitos pro cinema. Eles têm um acordo com a Companhia, que teria preferência em publicar o livro, mas poderia recusar. Não recusaram, assim a mudança foi natural. Meu contrato com a Record sempre foi livro a livro, e tenho ótima relação lá, fizemos cinco livros. Mas é uma dança das cadeiras mesmo, cada livro foi trabalhado com um editor, quem fechou BIOFOBIA nem está mais lá, então a fidelidade acaba ficando muito relativa.

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